Escorço biográfico por Affonso de E. Taunay

Escrito por Taunay, Alfonso e publicado por Museu Paulista. Imprensa Oficial do Estado

Página 34


sobre MARCGRAVE e seus trabalhos. Expende a opinião de que seria ele porventura a mais notável figura desse cortejo.Apreciando a obra e a atuação de MARCGRAVE faz-lhe MELLO LEITÃO numerosas referências em sua bela A biologia no Brasil (sobre cujos méritos desejaríamos fazer justiça se não nos víssemos embaraçado pelas demonstrações da extraordinária generosidade de seu autor).Nem em relação ao sábio de Liebstadt podia por menos ser, dada a elevação da cultura do autor e seu tão notável conhecimento do assunto tratado.Assim, recorda MELLO LEITÃO, um dito de MIRANDA AZEVEDO em que o autor paulista, falando de ANCHIETA, dá-lhe, como naturalista, uma primazia sobre MARCGRAVE, a nosso ver, absolutamente insustentável, "ANCHIETA com a sua Epístola etc, ocupa o primeiro lugar na série dos MARCGRAVE, PISO, GABRIEL SOARES, CÁRDIM".A comparação que MIRANDA AZEVEDO quis estabelecer entre valores tão heterogêneos como esses que se referem à obra de descritores e observadores da natureza brasileira e a de naturalistas profissionais não é viável. O Taumaturgo do Brasil não pode, além de tudo, ao nosso ver, disputar a primazia a GABRIEL SOARES, em tal terreno.A GEORGE MARCGRAVE, escreve MELLO LEITÃO, "devemos a obra mais notável sobre a natureza do Brasil, não só de todo o período colonial mas guardadas as proporções até hoje". (1937).A seu ver, o século XVI, para a Biologia brasileira, é o século de ANCHIETA, FERNÃO CARDIM e GABRIEL SOARES, O imediato o de Piso e MÀRCGRAVE, o XVIII. o de ALEXANDRE RODRIGUES FERREIRA e MANUEL DE ARRUDA CAMARA, OS dois grandes e malogrados naturalistas, e o do seu muito mais afortunado êmulo Frei JOSÉ MARIANNO DA CONCEIÇÃO VELLOSO.Entende ainda que FELIX DE AZARA se, acha quasi no mesmo pé que MARCGRAVE, não compartilhando, portanto, da ogeriza pertinaz e malevolên-cia negativista que ao famoso naturalista espanhol setecentista consagra o douto PAULO GROUSSAC.Recorda que o grande naturalista que foi o Príncipe de WIED jamais se esqueceu de confrontar as observações próprias sobre plantas e animais com as de MARCGRAVE, HUMBOLDT e AZARA, corrigindo-as ou confirmando-as".E abonado na grande autoridade do autor de Rondonia ainda relembra o que ao sábio de Liebstadt deve a antropologia brasílica: "Não querendo, como diz ROQUETTE PINTO, desenrolar a novela pelo ponto do cordel e deixando de lado os cronistas realmente preciosos para os etnógrafos, mas de muito menor valia para a história natural somática de nossos aborígenes, é com MARCGRAVE que realmente se inicia nossa antropologia naquele capítulo oitavo da Historia rerum naturalium Brasiliae intitulado: De estatura et habito corporis Brasiliensium et de aetate et moribus. Só no século XIX é que se reencetariam as observações antropológicas a que, por lamentável descuido, não se entregou ALEXANDRE RODRIGUES FERREIRA.Falando dos achados de MARCGRAVE cita MELLO LEITÃO OS dos preás em Pernambuco, da onça parda ou sussuarana (Felis concolor) a que chamou cua-guarana, o bugio (Alouata belzebub) assinalado em Pernambuco e de lá desaparecido, o gambá (Didelphis albiventris) a que denominou carigueia e tai-ibi, etc. etc.Em seu belo volume da Zoogeograia do Brasil reforça MELLO LEITÃO OS testemunhos de sua admiração pela obra do sábio de Liebstadt.Assim diz: A Historia Naturalis Brasiliae, de MARCGRAVE e o Tratado Descritivo do Brasil de GA-BRIEL SOARES são excelentes repositórios e os mais importantes pródromos de biografia . Constitue a primeira obra primordial acerca da qual, na opinião de von IHERING, em 1907, não se publicara até entãosobre o Brasil e a América do Sul livro algum que tivesse a sua importância.Tinha RIO BRANCO na mais alta conta o saber geográfico e a proficiência cartográfica de MARCGRAVE. Assim em suas Efemerides brasileiras (31 de julho) observa: "Os preciosos documentos geográficos, vulgarmente chamados de BARLAEUS são devidos a GEORGE MARCGRAFF e não passam de fragmentos incompletos de uma magnífica carta, hoje rarís-sima, ornada de cartuchos, brasões, troféus e pai-zagens na qual se lê o seguinte: Brasília Geographi-ca et Hydrographica Tabula Nova, Continens Prae-fecturas de Ciriji, cum Itapuama, de Peranambuco, Itamerica. Prayba et Potigi vel Rio Grande Quam propriis observationibus ac dimensionibus, diuturna peregrinationi a se habitis, fundamentaliter super-struebat et delineabat Georgius Marggraphius, Ger-manus, anno Christi 1643".Comenta o insigne PARANHOS: "Triste é dizê-lo: ainda hoje quem quer estudar a zona marítima desde o Rio Grande do Norte até Sergipe, encontra no mapa do ilustre MARCGRAFF valiosas indicações geográficas, que debalde procuraria nas cartas brasileiras mesmo as mais recentes, todas levantadas em muito menor escala".Diversas referências faz RIO BRANCO à inspeção por ele levada a cabo na cartografia marcgra-viana para localizar o teatro de combates entre portugueses e holandeses.Quanto a TEIXEIRA DE MELO: em suas Efemérides não vemos referência alguma a MARCGRAVE nem a PISO.A Praefectura de Cirii vel Seregippe del Rey cum Itapauama não está assinada com também sucede aos demais mapas da obra de BARLAEUS a Praefectura Paranambucae pars meridionalis a Praefectura Paranambucae pars borealis una cum Praefectura de Itamaracá e a Praefectura de Paraíba et Rio Grande. São os mapas de MARCGRAVE enfeitados com ornamentos faunísticos e florais, brasões pequenos, cenas da vida rural, e militar, vistas de esquadras oceânicas, batalhas navais, aspectos de engenhos de açúcar e outras construções, etc. todos muito ao sabor do tempo.A toponímia destes mapas é que se apresenta pitoresca. Compreende inscrições dá língua geral, portuguesas, latinas e holandesas. Assim vemos I. dos Pássaros, perto de Reygers eylandt, Iaciaba junto a Suyckerbrood (Pão de Açúcar) Blaeuwe-berg ao lado de Antonio da Serra. O Notularum ex-plicatio instrue os observadores dos mapas que Aldea dos índios significa Domus Indiarum e Curral Sta-bula diversarum bestiarum. Ao par de Barra de Va-zarbarriey ocorre Dryefering, Niewegat, Sagerhuys. Dos topônimos portugueses muitos estão bem grafados mas muitos se apresentam estropeados como Porto dos Francises e Pto Francese, Porto dos tou-res, Lourenço Afonso passa a ser Lorenço Afomce e um engenho de Antonio de Savedo deve ter sido de Antonio de Azevedo.Curioso é que alguns topônimos foram emendados; assim Cabo Branco tem um r sobreposto ao 1. Serão, acaso, da autoria de MARCGRAVE OS mapas de Portus Calvus, as plantas de Olinda, Alagoas, Seri-nhaen, Penedo (Castrum Mauritii et oppidulum Openede), Fortaleza, (no Ceará) cidade da Paraíba, Natal, (Fluvius Grandis), do paço e parque de Fri-burgo, os mapas das Ilhas de Itamaracá e Antonio Vaz, do Cabo de Santo Agostinho, da região do Recife (Mauritiopolis, Reciffa et cicumjacentia Castra) Ilha de S. Luiz do Maranhão e foz do Itapicurú que ilustram a obra de BARLAEUS ?Pensamos que sim, pelo menos em sua grande maioria, salvo talvez quanto às duas cartas maranhenses. Nenhuma delas aliás traz assinatura.Há no Rerum per octennium diversos outros mapas que provavelmente não são da lavra de MARCGRAVE como os africanos de Angola e S. Tomé e ainda um trecho da costa do Chile que certamente não pode ter sido de autoria sua, pois não consta que