amor à verdade. É por este motivo que, ainda em nossos dias quando confrontados com os resultados de mais sólidas pesquisas merecem apreço e cotejo com o cabedal do saber atual".Com a mais aguda visão dos fatos explica MARTIUS a causa verdadeira deste prestígio persistente. "Entra em linha de conta o fato de não haver o Novo Mundo sido visitado antes da viagem de MARCGRAVE e PISO, por sábio algum, instigado, especialmente, pela intenção expressa e principal do enriquecimento do acervo da História Natural. Isto se refere, especialmente, a MARCGRAVE. PISO o encarregou de explorações científicas, enquanto ele próprio servia como médico da câmara do conde MAURÍCIO DE NASSAU e dirigia os serviços médicos dos novos colonos e o das tropas. As relações que estes dois homens mantiveram e a tarefa científica de cada qual ligam-se tão intimamente aos seus escritos e trabalhos que se torna essencial historiar sua missão".Valeu-se MARTIUS do estudo de LICHTENSTEIN.Não é lá muito exato o que o grande naturalista da Flora brasiliensis a seus leitores inculca sobre os primórdios da invasão holandesa. Assim, por exemplo, conta que a posse batava do Nordeste andava arriscada quando MAURÍCIO DE NASSAU veio governar o Brasil, quando sabemos que em 1637, a situação militar dos invasores melhorara muito depois da derrota de D. Luiz DE ROJAS por ARCISZEWSKI na Mata Redonda."MAURÍCIO, distinto como administrador e amigo ilustrado das ciências, além de notável cabo de guerra, fizera vir com os seus 2.700 soldados desembarcados em princípios de 1637, em Pernambuco, um médico e cientista GUILHERME PISO. E este, por sua vez, trouxera dois jovens sábios alemães, , de Liebstadt, perto de Meissen, e H. CRALITZ".Não é exata esta versão. Sabemos que MARCGRAVE veio ao Brasil por influência de JOÃO DE LAET e que PISO chegou depois.Refere-se MARTIUS, a seguir, ao acervo marc-graviano, à perda do espólio astronômico, à interferência de JOÃO DE LAET em relação à tiragem de 1648."Servindo-se das pinturas postas à sua disposição, executou LAET, provavelmente por conta do príncipe, xilografias acompanhadoras do texto e nele intercaladas. Freqüentemente, porém, tais figuras não se apresentam executadas com a mesma exatidão e elegância verificáveis em muitas gravuras sobre madeira da mesma época e, especialmente, da anterior.O que LICHTENSTEIN censura, a propósito das figuras zoológicas, pode também ser dito, das botânicas. Faltaram, igualmente em matéria de redação, os desejáveis precisão e cuidado; "pois além de que os originais, não raramente, permitissem maior exação nos contornos, várias ilustrações estão intercaladas ao texto em lugar errado" afirma LICHTENSTEIN.Aliás, as mesmas figuras aparecem, não raras vezes, nas obras de ambos os autores.Uma notícia dada por LAET (Na Histór. plant. de MARCGRAVE, p. 76, em Dodanaea viscosa) aventa a probabilidade da existência de um herbário de MARCGRAVE cujos exemplares serviram ao editor para mandar executar várias xilografias".Acrescenta MARTIUS que até a data em que ele escrevia nada se pudera averiguar quer na Holanda" quer na Alemanha, a respeito desta coleção de plantas herborisadas do espólio marcgraveano.Declarou-se PISO mal satisfeito com a execução da obra, afirma-o formalmente no prefácio do seu segundo livro.Acremente aí acima a Historia Naturalis Bra-siliae de "nimis praecipitates per meam a praelo absentiam in lucem protrusa"."Assim resolvera retocar o material próprio e o de MARCGRAVE, acrescentando-lhe os seis livros da "Historiae naturalis et medicae Indiae orientalis" de JACOB BONTIUS. A tudo editou em 1658, ainda na casa dos Elzevires, sob o título: "Guill. Pisonis De Indiae utriusque re naturali et medica, libri quatuordecim folio".Estranha MARTIUS a manipulação feita por PISO dos escritos do seu falecido colaborador fortuito. "Nesta obra, os trabalhos botânicos de MARCGRAVE não aparecem mais como autônomos e sim entrelaçados aos de PISO. Trata o primeiro livro do clima, o segundo das doenças, o terceiro dos animais, o quarto das plantas e o quinto dos venenos e antivenenos. A seguir, só há de MARCGRAVE um "Tractatus topogra-phicus et meteorologicus Brasíliae cum observatione eclipsis solaris" e um "Commentarius de Brasilien-sium índole a língua".Os seis livros de BONTIUS ocupam a outra metade da obra que acaba com a "Mantissa aromatica" de Piso a qual, porém, trata, principalmente, de carpos originários das Índias Orientais, estudando minuciosamente, dentre os americanos, e apenas, o Anacar-dium occidentale e o Theobroma cacao. Graças a esta segunda edição, PISO, em vez de aumentar o alto apreço a ele devido pelas pesquisas de história natural do Brasil, deu ensejo a que lhe exprobrem haver ocultado os méritos do companheiro e colaborador.Na coleta de material do antigo e do novo mundo, talvez haja tomado por modelo os "Libri exotici" do célebre CLUSIUS aparecidos meio século antes.Faltou-lhe porém, no tocante à parte botânica, o conhecimento especializado e o senso crítico que, com razão, todos elogiam naquele maior conhecedor de plantas de seu tempo.Na nova redação de PISO a sistematização e a crítica nada lucraram. Aqui e acolá perdeu-se a impressão imediata da primeira edição, e, enquanto informes importantes de MARCGRAVE desaparecem ou não se acham devidamente frisados, surgem de outros escritos ou das considerações de LAET (que conheceu e valeu-se no seu próprio trabalho, princi-palmente de CLUSIUS, HERNANDEZ, OVIEDO, MONAR-DES e GARCIA DE ORTA) anotações e até figuras para a edição anterior que não correspondem aos lugares onde se encontram e sim a outras plantas que, aliás, não crescem no Brasil.Assim, por exemplo, à página 146, cita-se em confronto com a Anhuiba (Myristica) o Sassafrás norte-americano, acrescentando-se ali a figura de JOH. BAUHIN História (datada de 1650, pág. 483, e reproduzida no livro de CHABRAEUS em 1666, à pág. 36)E a árvore brasileira de nome Ibiraee, Chrysophyllum Buranhem Riedel (Ch. glycypho-eum Casaretto, Decad. nov. stirp. Brás. pág. 12, n. 7), é identificada segundo uma nota de LAET da primeira edição (pág. 101), como Guajacum officinale. É verdade que tanto por esta edição como pela primeira pode-se reconhecer que Piso, na qualidade de médico, teve mais ocasião de tratar com plantas, do que MARCGRAVE.As tradições da cátedra sobre os símplices que um médico daguele tempo costumavam receber, infudiram indubitavelmente em PISO habilidade maior para a descrição duma planta e de suas partes.De acordo com esta orientação, encarou, principalmente, os vegetais úteis, especialmente os medicinais.A MARCGRAVE, porém, outras plantas que das européias se distinguem por qualquer característico causaram particular interesse, Assim delas trata com a despreocupação do autodidata, podendo-se perceber, às vezes, que, pouco ajudado pelo conhecimento da nomenclatura contemporânea, não possue facilidade descritiva, circunstância esta que, convém lembrar, dificulta, atualmente, muitas vezes identificar-se aquilo que o autor viu.Mas ambos os autores não podem ser censurados por esta falta de habilidade sistemática e representação severa, se considerarmos o estado da ciência daquela época e as circunstâncias em que ambos trabalharam.Nos escritos da época imediatamente antecedente, a de um P. A. MATTHIOLUS (1500-1577), um
Escorço biográfico por Affonso de E. Taunay
Escrito por Taunay, Alfonso e publicado por Museu Paulista. Imprensa Oficial do Estado