cuidando da guerra nesta mansão da paz, depois que cessava o estrépito das batalhas.Marcharam as obras prosperamente e, concluídas, causavam prazer e admiração a quem as contemplava".Convinha mais uma vez justificá-las por meio de altívola comparação com um augusto o imperial abdicatário de Salônica."Também o imperador DIOCLECIANO dava-se a esta mesma recreação, partindo ele próprio os canteiros e dedicando-se à jardinagem e arboricultura".O Conde, edificando, teve o cuidado de atender à salubridade, procurando o sossego e obtendo a segurança do lugar, sem descurar também da amenidade dos hortos. De fato, observou-se tal ordem no distribuir as árvores que, de todos os lados, ficavam os vergéis protegidos pelos fortes e por treze baterias, não deixa BARLAEUS de explicar frisando que antes de mais era NASSAU por excelência o grande cabo de guerra de reputação européia."Surgiam, em lindos renques, 700 coqueiros, estes mais altos, aqueles mais baixos, elevando uns o caule a 50 pés, outros a 40, outros a 30, antes de atingirem a separação das palmas continua o nosso historiador, a explicar as dificuldades vencidas. Sendo opinião geral que não poderiam eles transplantar, mandou o Conde buscá-los a distância de três ou quatro milhas, em carros de quatro rodas, desarraigando-os com jeito e transportando-os para a ilha, em pontões lançados através dos rios.Acolheu a terra amiga as mudas, transplantadas não só com trabalho, mas também com engenho e tal fecundidade comunicou àquelas árvores anosas, que, contra a expectativa de todos, logo no primeiro ano do transplante, elas, em maravilhosa avidez de produzir, deram frutos copiosíssimos. Já eram setuagenárias e octogenárias e porisso diminuíram a fé do antigo provérbio "árvores velhas não são de mudar". Foi cousa extraordinária ter cada uma delas dado frutos que valiam oito rixdales. Dever-se-ia, provavelmente, este triunfo à intervenção de MAECGRAVE. Depois do coqueiral, havia um lugar destinado a 252 laranjeiras, além de 600, que, reunidas graciosamente umas às outras, serviam de cerca e deliciavam os sentidos com a cor, o sabor e o perfume dos frutos. Havia 58 pés de limões grandes, 80 de limões doces, 80 romãzeiras e 66 figueiras. Além destas, viam-se árvores desconhecidas em nossa terra: mamoeiros, jenipapeiros, mangabei-ras, cabaceiras, cajueiros, uvalheiras, palmeiras, pi-tangueiras, romeiras, araticuns, jamacarús, paco-beiras ou bananeiras. Viam-se ainda tamarindeiros, castanheiros, tamareiros ou cariotas, vinhas carregadas de três em três meses, ervas, arbustos, legumes, e plantas rasteiras, ornamentais e medicinais.É tal a natureza das ditas árvores que, durante o ano inteiro, ostentam flores, frutos maduros junto com os verdes, como se uma só e mesma árvore estivesse vivendo, em várias de suas partes, a puerí-cia, a adolescência e a virilidade, ao mesmo tempo herbescente, adolescente e adulta.Alegre NASSAU com este bom êxito de sua plantação, com esta benignidade da natureza, pois aquele arvoredo já ocultava o Recife inteiro a quem o olhasse de longe, pôs a mira no prazer de edificar ali o palácio e a residência do governador.Os heróis e os imperantes comprazem-se em habitar em mansões condignas, e em distinguir-se da multidão, não só na dignidade, senão também no modo de viver e na habitação. A casa que lhe haviam destinados os diretores da Companhia ameaçava ruína e não permitia reparos decentes sem grandes gastos.O palácio por ele construído (chama-se Friburgo, isto é cidadela da liberdade) tem duas torres elevadas, surgindo do meio do parque, visíveis desde o mar, a uma distância de seis a sete milhas, e servem de faróis aos navegantes.Uma delas, tendo no topo uma lanterna e jorrando sua luz nos olhos dos nautas, atrai-lhes a vista para si e para o forte da costa, indicando-lhes a entrada segura e certa do porto. De cima delas descor-tinam-se, de um lado, as planícies do continente e, de outro, a vastidão dos mares, com os navios aparecendo desde longe. Idôneas para atalaia e para se vigiarem de dia os salteadores, ainda por esta serventia merecem o gabar-se-lhes a beleza e necessidade.Diante do palácio e como surgindo do Beberibe, estende-se uma bateria toda de mármore, que comporta dez peças para segurança do rio.Não deixarei de dizer também que no parque existem poços distantes dos rios três varas das nossas ou pouco mais. Rodeados de águas salgadas, abastecem os moradores com abundância de águas doces, ou porque a grande firmeza do solo não permite que penetrem as águas salgadas, ou porque estas, filtrando-se através da terra, perdem a sal-sugem, ou porque estes poços brotam de lençol mais profundo que o leito dos dois rios. São eles de grandíssima utilidade, porque não se podem buscar fora águas doces em razão de estarem rodeadas de inimigos. Entretanto, o que é mais de admirar é encontrarem-se no sertão, já bem longe do litoral, poços de água salgada.Contém esse mesmo parque três piscinas amplíssimas, providas de todo o gênero de peixes, conforto valiosíssimo para a população, quando falta mantimento. No primeiro trimestre após serem cavados esses viveiros, foi tão copiosa a pescaria, que três lanchas mal bastavam para o transporte dos peixes, além daqueles que a liberalidade do Conde cedeu aos soldados. Há outros viveiros ainda nos limites do parque, mesmo no rio, fechados por cercas, os quais fornecem larga cópia de peixe, na maré ascendente. Mais de uma vez já aconteceu que uma só pesca rendeu aos donos cem florins, lucro bastante avultado.Ainda hoje, (1647), pompeia, em seu esplendor, o palácio de Friburgo, protegendo a ilha de Antônio Vaaz e deleitando os cidadãos, como perene monumento da grandeza nassóvia no outro hemisfério. É certamente admirável quanto estas construções e edifícios abalaram a confiança que tinham os portugueses, aumentando a dos nossos, que têm boa opinião da estabilidade dessas nossas conquistas, por verem NASSAU engrandecê-las com tamanhas despesas e feitas do seu bolso"."Esta cidade (Maurícia) e Friburgo pregoam a magnificência do Conde, exclama BARLAEUS arrou-bado. Pouco depois passa ele à descrição de uma outra mostra dos gostos soberanos do ilustre filho de casas da altitude das de ORANGE e NASSAU.O palácio da Boa Vista, "assim chamado por causa da amenidade do seu sítio, pois em nenhuma outra parte encontrava o seu construtor prazer, quando descansava e sempre que convinha". Era ali que numa beata solitudo "meditava planos de grandes tentames".Ficava sobraceiro à ponte que NASSAU fizera construir comunicando a ilha de Antônio Vaaz com o Continente."Era muito aprazível, alegrado também por jardins e piscinas. O Conde o edificou em terreno seu e à própria custa.Ao humanista que era o nosso GASPAR DE BARLAEUS acudiam logo as comparações inevitáveis com a antigüidade clássica, tudo isto com uma dose de exageração deliciosa."Quantos o contemplavam, punham em segunda plana as quintas de Baías na Campânia e as de Luculo no Lácio (sic!).Dizia-se que a mãe Natureza apresentava ali todos os encantos que aprazem aos mortais e todos os atrativos de uma vida mais tranqüila. Em nenhuma outra parte encontravam os mais ocupados prazeres iguais aos dali.Naquele remanso, descansava NASSAU, rodeado pela vista das suas construções e longe da Pátria e das terras de tantos condes e príncipes seus parentes, gozando da felicidade que achara no ultramar. Contemplava astros nunca vistos pela sua Alemanha; admirava a constância de um clima dulcíssimo e mostrava aversão à intempérie da zona temperada
Escorço biográfico por Affonso de E. Taunay
Escrito por Taunay, Alfonso e publicado por Museu Paulista. Imprensa Oficial do Estado