Escorço biográfico por Affonso de E. Taunay

Escrito por Taunay, Alfonso e publicado por Museu Paulista. Imprensa Oficial do Estado

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Verdade é que BARLAEUS também se mostra muito indiferente a FRANZ POST quando, no entanto, foi este quem lhe forneceu a magnífica iconografia, um dos principais motivos do apreço em que seu livro é tido.Numerosas das grandes estampas do Rerum per octennium são da lavra do eminente pintor de MAURÍCIO DE NASSAU. A elas apôz a assinatura. E esta circunstância nos permite descobrir que POST esteve em África pois desenhou aspectos de São Tomé, do Forte Nassau, de S. Paulo de Loanda. Talvez nesta jornada africana haja sido companheiro de MARCGRAVE.Assim BARLAEUS se arrola entre aqueles que não deram ao sábio de Liebstadt a posição eminente quelhe compete na missão cultural do Príncipe de NASSAU no Brasil.Les Hollandais au Brèsil, de PEDRO M. NETS-CHER, oficial do exército holandês, obra publicada em 1853, angariou larga divulgação e é até hoje muito citada, como geralmente se sabe.Quasi nada consagra à missão artística e científica de NASSAU e a seu respeito inculca errônias graves como esta de atribuir a PISO a factura da Historia Naturalis Brasiliae e a MARCGRAVE, transformado em historiadora de uma Historia Brasiliae. Foi NETSCHER, certamente, quem induziu PEDRO SOUTO MAIOR a inserir os mesmos erros em seus Fastos Pernambucanos. capítulo XIIO ambiente em que marcgrave trabalhou. - o depoimento de frei manuel callado. - as preocupações culturais de joão maurício de nassau. - as grandes obras por ele executadas. - as grandes pontes, os dois palácios de priburgo e da boa vista. - os jardins botânico e zoológico. - as grandes piscinas. - o observatório astronômico. - palavras de BarlaeusA evocar a atuação de JOÃO MAURÍCIO DE NASSAU proferiu o nosso ilustre JULIANO MOREIRA OS seguintes e exatos conceitos:"Lançando a vista através as páginas da história da humanidade sobre as sinistras surtidas do mundo civilizado pelas regiões em que se tem ele estabelecido mais ou menos violenta e desapiedada-mente, à custa do aniquilamento do aborígene e com o concurso forçado de gente, as mais das vezes muito a contra-gôsto transplantada de suas terras, o octênio nassauviano tem algo de deslumbrante, porque não só de lucros pecuniários para a Companhia das Índias Ocidentais cogitara o conde JOÃO MAURÍCIO.A tão magnânimo Governador deve o Brasil, a vinda às suas plagas setentrionais de um pléiade de homens dos mais evidente valor. Destes merecem especial menção WILLEM PIES e GEORGE MARCGRAVE".Criou o governador do Brasil neerlandês notável cenário em torno de si. Nele trabalharam intensamente e produziram os dois cientistas.Ouçamos a tal propósito as palavras insuspeitíssimas de alguém que embora vivendo na intimidade do Príncipe a quem no fundo d'alma admirava, dele se sentia separado por verdadeiro abismo criado pela diferença racial da mentalidade, a fé religiosa e o patriotismo acendrado. É ele o famoso frade português da ordem de São Paulo o Eremita, FREI MANUEL DO SALVADOR a quem devem as nossas letras históricas a obra preciosa escrita sob o pseudônimo de FR. MANUEL CALLADO: O Valergso Luci-deno, um dos mais notáveis números da Brasiliana pela raridade, além de constituir magnífico depoimento sobre as lutas com os holandeses.Escreve FREI MANUEL DO SALVADOR arcaica e saborosamente:"Andava o Príncipe Conde de NASSAU tão ocupado em fabricar a sua nova cidade que para afervorar aos moradores a fazerem casas, ele mesmo com muita curiosidade lhe andava deitando as medidas e endireitando as ruas, para ficar a povoação mais vistosa e lhe trouxe a entrar por meio delia por um dique ou levada, a água do Rio Capivaribe a entrar na barra, por o qual dique entrarão canoas, bateis e barcas para o serviço dos moradores por debaixo das pontes de madeira com que atravessou em algumas partes este dique a modo de Holanda, de sorte que aquela Ilha, ficava toda rodeada de água. (sic).Também ali fez sua casa de prazer que nos custou muitos cruzados e no meio daquele areal estéril e infrutuoso plantou um jardim e todas ar, castas de árvores de fruto que se dão no Brasil e ainda muitas que lhe vinhão de diferentes partes e a força de muita outra terra frutífera trazida de fora em barcas rasteiras e muita soma de esterco fez ositio tão bem acondicionado como a melhor terra frutífera.Pôs neste jardim dois mil coqueiros, trazendo-os ali de outros lugares porque os pedia aos moradores e eles lhos mandarão trazer em carros e de les fez umas carreiras compridas e vistosas, a moda de alameda de Aranjuez e por outras partes muitos parreirais e tabuleiros de hortaliças de flores, com algumas casas de jogos e entretenimentos onde iam as damas e seus afeiçoados a passar festas no verão e a ter seus regalos e fazer suas merendas e, beberetes como se usa em Holanda, com seus acordes instrumentos. E o gosto do Príncipe era que todos fossem por suas curiosidades e ele mesmo por regalo as andava mostrando e para viver com mais alegria deixou a casa aonde morava e se mudou para o seu jardim com a maior parte dos seus criados.Também ali trazia todas as castas de aves e animais que pode achar. E com os moradores da terra lhe conhecerão a condição e o apetite cada um lhe trazia a ave ou animal esquisito que podia achar no sertão, ali trazia os papagaios, as araras, os jacigs (sic) os canindés, os jaburus, os motuns, as galinhas de Guiné, os patos, os cisnes, os pavoens, de peruns e galinhas grande numero, tantas pombas que não se podião contar, ali tinha os tigres, a onça, a cissuarana (sic), o tamanduá, o bugio, o quatí, o sagoim, o apereá, as cabras de Cabo Verde, os carneiros de Angola, a cutia, a paqua, a anta, o porco javali grande multidão de coelhos.E finalmente não avia coisa curiosa no Brasil que ali não tivesse, porque os moradores lhas mandavam de boa vontade por a boa inclinação que viam de os favorecer.E assim também lhe ajudarão a fazer as suas duas casas asi esta do jardim onde morava, como a da boa vista sobre o Capivaribe aonde ia muitos dias passeando a se recrear, porque uns lhe mandavam a madeira outros a telha e o tijolo, outros a cal e finalmente todos o ajudarão no que puderão.E ele se mostrava tão agradecido e favorecia de sorte aos Portugueses que lhe parecia que tinham nele pai e lhes aliviava muito a tristeza e dor de se verem cativos".Esta cordialidade confirma-a outro depoimento não menos valioso e insuspeito; o do beneditino Frei RAPHAEL DE JESUS no Castrioto lusitano, obra célebre como todos sabem na nossa biografia batavo-brasileira.Refere o monge coisas muito desagradáveis sobre o Príncipe mas, ao mesmo tempo, conta que tinha vários sentimentos elevados, que lhe davam o maior destaque e o tornavam incomparavelmente mais humano do que os demais conquistadores do Brasil Holandês.Assim mandara honrar a memória do vencido