do Brasil, e a sua importância científica subiu de vulto com o fato de, nos cento e sessenta anos seguintes, não ter mais aparecido nenhum outro trabalho similar. Igualmente abrangem a quase totalidade dos estudos de MARCGRAVE até hoje dados à luz.Parece duvidoso, por vários motivos, que PISO haja tomado muita parte no preparo da edição da "História Natural do Brasil" em 1648. Declara LICHTENSTEIN que na ausência dele PISO, acompanhara LAET a impressão de toda a obra. Haja ou não tomado parte em tal trabalho, descontentou-se PISO, e muito como sabemos acusando JOÃO DE LAET de fazer obra apressada e descuidada.Dez anos mais tarde (1658) ele próprio, PISO, publicou o "De Indiae Utriusque", no intuito de melhorar o trabalho anterior, entrelaçando aí a Historia Naturalis Brasiliae a das Plantas medicinais de sua autoria:E anexou-lhes o Tractatus Topographicus de MARCGRAVE e a contribuição de BONTIUS terminando o volume pela Mantissa aromatica da sua própria lavra. Declara GUDGER categórico e severo: Não somente não se trata da melhoria do trabalho de MARCGRAVE como ainda, e em vários pontos, é-lhe incontestavelmente inferior o tentamen de PISO.A obra de MARCGRAVE sobre as plantas do Brasil aí se acha resumida, perdendo a identidade ao se misturar com os dados dé PISO, no que diz respeito à medicina. A parte zoológica foi todavia a mais prejudicada, visto ser PISO ainda pior zoólogo do que botânico!Segundo parece não conseguiu ele obter os desenhos originais a serem então descritos, aqueles que haviam sido a fonte das ilustrações da primeira edição.Assim se apresentam copiados da edição de 1648, ou inspirados por descrições, mal colocadas no texto, ou inteiramente omitidas no dizer de LICHTENSTEIN. Em suma, tal edição pouco ou mesmo nada, acresce ao renome de PISO".O exame das relações entre PISO e MARCGRAVE foi ponto que sempre preocupou os biógrafos do sábio de Liebstadt.A increpação do Dr. CHRISTIANO MARCGRAVE alcançou largo éco nos meios científicos seus contemporâneos. E o próprio PISO achou-se na obrigação de responder em público aos acusadores em seu De Indiae utriusque a pág. 107, na introdução ao quarto livro da sua Historiae Naturalis et Medicae. É este o trecho do princípio do prefácio a esse livro cujo título vem a ser: De Arboribus, Fructicibus et Herbis Medicinalibus, ac alimentosas in Brasiliae et circumjacentibus Indiae Occidentalis Regio-nibus nascentibus. Porro non me anxie adeo Botanicorum consueto ordini obstrinxi, ut herbae, frutices & arbores singulae, ad classes suas venirent. Sed à nobilissimis & maxime usualibus Vegetabilibus ad caeteras descendi, prout variis locis & temporibus sese offerrent. Quasdam icones & annotationes ab optimo & diligentíssimo meo doméstico D. Markgravio, in nostris peregrnationibus observatas mutuatus sum. Quod idcir-co praemonere volui, ne malevoluns quispiam furtivis coloribus me scripta ornasse sibilet. Etenim quando horas subcissivás publica munia mihi denegabant, id sedula opera ejus adimplerijussi; ut quarum ego naturas & proprietates pensiculatius investigarem & experirer; earumdem ille figuras externas resse arbitratus, si inventa nostra illi vel mihi imperper otium graphice depingeret, parum scilicet intetirentur, aut sub cujus nostrum nomini lucem aspicerent; modo illa, dubia nonnulla dissolverent, error esque detegerent atque tum Novi, tum Veteris Orbis aegrotantium & medentium commodo futura sint. A este trecho traduziu a pedido nosso um dos mais completos humanistas do Brasil, o Prof. Dr. ALEXANDRE CORREA, da Faculdade de Direito de São Paulo, e tradutor aclamado da Summa Theologica. "Demais, não me adstringí a tal ponto rigorosamente à ordem habitual dos botânicos, que as ervas,arbustos e árvores viessem, cada qual, nas suas classes próprias. Mas, dos vegetais mais nobres e mais usuais, desci aos outros, conforme se ofereciam as várias oportunidades de lugar e de tempo. Certas figuras e anotações emprestei-as ao meu ótimo e diligentíssimo companheiro MARKGRAVIO, resultantes de observações feitas em nossas viagens.E isto quero advertir, não vá algum malévolo murmurar que ilustrei os meus escritos com figuras alheias furtadas. Por isso, quando as minhas funções públicas não me consentiam o lazer suficiente, mandei-lhe me suprisse com o seu cuidadoso labor, de modo que a natureza e as propriedades das plantas que eu mais atentamente investigasse e experimentasse, dessas mesmas ele as desenhasse com lazer as figuras externas. E pouco me importando que as nossas descobertas a ele ou a mim as atribuíssem, ou que viessem à luz com o nome de qualquer de nós; só me preocupando que viessem dissipar algumas dúvidas, corrigir erros e haverem de redundar em vantagem dos doentes e dos médicos, tanto do Novo como do Velho Mundo".Pensa o Dr. CORREA que a dúvida nascida quanto à posição relativa de PISO e MARCGRAVE venha do termo domesticus que alguns biógrafos interpretam como subalterno quando pode perfeitamente ser companheiro, membro da mesma missão.Vejamos agora outro e interessante depoimento, de fonte britânica.Numa velha enciclopédia inglesa a de REES (1819) e no verbete nela consagrado a PISO diz o articulista que, ao seu ver, ainda não se esclarecera o caso relativo a PISO a "physician of Leyden, the companion of Marcgrave, but whether his master or servant remain in dispute". Assim até 1819 não se sabia ainda qual seria o patrão e qual o empregado. Seria mais adequado dizer-se, pensamos nós "chefe ou subordinado".Chama o articulista a atenção do leitor para a passagem da página 107, da obra de PISO quando este intitula ao companheiro" o seu fâmulo excelente e sobremodo diligente, de cujos alguns desenhos e observações se valera, assim como reconhecia que o fato levara certos indivíduos malévolos a acusá-lo de haver enriquecido sua obra com elementos furtados".Conta o articulista ainda que LINNEU em sua Crítica Botânica à pág. 79, refere que num estudo sobre MARCGRAVE se acusa a PISO de se haver apropriado dos papéis do companheiro, após a morte deste. Daí decorrera toda a sua ciência, observa o biógrafo inglês. Assim PISO é que seria um mero criado do homem a quem pretendera deprimir e humilhar. Parecia, contudo, ao articulista, que MARCGRAVE era de boa família.A defesa de PISO não nos parece cabal e mesmo um tanto frouxa tanto mais quanto ele sabia que muito se murmurava de que se aproveitara dos trabalhos do companheiro.Mostra-se BARLAEUS parco de elogios para com MARCGRAVE em relação aos que atribuem a PISO .A exaltar a intimidade que o Príncipe consentia a PLANTE e a PISO conta-nos que o primeiro voltando o espírito para as ficções poéticas, exaltara, num poema de mérito, os feitos gloriosos de MAURÍCIO enquanto o outro, dedicando-se ao estudo da natureza rara e das virtudes das plantas exóticas julgara que lhe competia dar-lhes a descrição".Haviam ambos feito "com que os holandeses não fossem, no Brasil, vencidos no engenho e na erudição por aqueles a cujas armas haviam dominado com as armas cuja barbária tinham vencido com a brandura" (sic!).Les absents ont toujours tort é a reflexão que nos inspiram estas linhas. É possível que BARLAEUS não haja conhecido MARCGRAVE. Escreveu quando PISO, de regresso da América, estava ao Seu lado a informá-lo. Foi provavelmente o médico o inspirador do panegirista de NASSAU. A ausência das indicações sobre os trabalhos de seu infeliz companheiro parece-nos veemente indício de que o arquiatra deu largas ao ciúme nessa parcimônia de informes.
Escorço biográfico por Affonso de E. Taunay
Escrito por Taunay, Alfonso e publicado por Museu Paulista. Imprensa Oficial do Estado