Escorço biográfico por Affonso de E. Taunay

Escrito por Taunay, Alfonso e publicado por Museu Paulista. Imprensa Oficial do Estado

Página 24


e o erro provém do fato de ter ele dedicado a segunda edição da sua obra ao mesmo Grande Eleitor. Mas isto o fez ele por instigação do então príncipe JOÃO MAURÍCIO DE NASSAU que como se sabe passara ao serviço da Prússia, tendo sucumbido na lendária ci-dade de Cleve que ele tanto amara, melhorando-a de vários modos, dotando-a de um palácio cujas decorações lembram a exuberante natureza do Norte do Brasil. Por tudo isto lá ficou sua tradição sob o nome de Moritz von Nassau, der Brasilianer. Em novembro de 1678, um ano antes do Príncipe MAURÍCIO DE NASSAU, faleceu W. PISO em Ams-terdam, sendo sepultado a 28 do mesmo mês na Westerkerk da mesma cidade.Assim se extinguiu quem tanto alargara os quadros da patologia, de seu tempo, quem também dotara a terapêutica de medicamentos eficazes quem de fato fundara a nosologia brasileira".Referiu-se o ilustre biógrafo de PISO a um depoimento de Frei MANUEL CALLADO OU Frei MANUELDO SALVADOR em seu livro célebre do Valeroso Luci- deno, inquinando-o de autenticidade dúbia. Esclareçamos o caso que é interessante.É sabido que JOÃO MAURÍCIO DE NASSAU teve a maior intimidade com três portugueses durante o seu governo do Brasil. Foi o primeiro o judeu GASPAR DIAS FERREIRA, seu homem de negócios "que tratava de grangear sua vida e de fazer ricos aos holandeses à custa da fazenda e do sangue dos compatriotas" escreve FR. MANUEL CALADO, a apontá-lo como pavoroso larápio. E realmente deste aventureiro conta o monge da Ordem de S. Paulo, Primeiro Ermita, uma série de latrocínios levados a cabo graças à privança com o Príncipe.Era o segundo JOÃO FERNANDES VIEIRA, e o terceiro o próprio FR. MANUEL DO SALVADOR que com NASSAU muito conviveu e autor, sob o pseudônimo de Fr. MANUEL CALADO, do livro célebre do Valeroso Lucideno e triunfo da Liberdade. Relata-nos o religioso paulino que a tolerância do Príncipe para com os católicos lhe valeu veemen-tíssimas reclamações e invectivas dos diretores da Companhia das Índias.Exprobavam-lhe a amizade com os três portugueses, sobretudo com GASPAR DIAS FERREIRA que o levava para o "caminho do interesse de a juntar dinheiro à custa do sangue dos pobres e dos inocentes com o que este homem fazia rico a ele e se fazia rico a si, cousa indigna de pessoa de sangue real e imperial. E isto tudo começava a fazer-se por intermédio de certa mulher".Uma destas missivas terminava veementemente: "Pusesse o Príncipe os olhos em quem era e no tronco donde procedia e que arrenegasse de riquezas e delícias que lhe desdouravam a fama e a nobreza".Sobremodo agastado mostrou NASSAU tal ofício reservado a Fr. MANUEL CALADO a lhe dizer Inimici hominis domestici ejus! Verba Christi sunt quas non possunt falsitatum pati! E atribuindo a denúncia a pessoas de seu séquito destituiu imediatamente das funções de capitão de sua guarda particular a CARLOS TOURLON, segundo marido da famosa D. Anna Paes "a mais de-senvolta mulher de quantas houve no tempo deste cativeiro na Capitania de Pernambuco", anota o religioso. A TOURLON "prendeu com grande rigor e vi-tupério" e o remeteu "para Holanda aonde morreu com morte apressada" lê-se no Valeroso Lucideno. Foi então, relata-nos Fr. MANUEL CALADO, que JOÃO MAURÍCIO DE NASSAU tomou-se de verdadeira aversão a PISO."Outro de quem o Príncipe se mostrou queixoso foi o Doutor PISON, médico seu e de sua casa".Havia entre eles a maior intimidade: "com ele comia e bebia e comunicava de dia e de noite com muita familiaridade".Irritou-se imenso contra o arquiatra e com ele não se quis. reconciliar, pelo menos até a saída de Pernambuco, pois a narrativa de Fr. MANUEL CALADO abrange o período de 1630 a 1648."Também a este deitou fora de sua casa e nunca mais se fiou dele. E quando alguém lhe falava nele ou no TOURLON respondia: Pessimi nebulones erga me. Os dados biográficos por JULIANO MOREIRA aduzidos demonstram-nos irrefragavelmente porém que reconciliação houve entre o Governador do Brasil Holandês e seu arquiatra.Capítulo XIAs relações entre piso e marcgrave. - acusações de apropriação Feitas ao primeiro

A PISO censura JULIANO MOREIRA, como vimos, a propósito de haver na edição de De Indiae utriusque re naturali et medica, em 1658, haver modificado o plano da obra primitiva. Historiae re-rum naturalium Brasiliae incorporando aos seus ca-pítulos o que a MARCGRAVE pertencia e citando-lhe apenas o nome.Daí a increpação de plágio de que o acusaram HALLER e o irmão de MARCGRAVE, O DR. CHRISTIANO MARCGRAVE, no prefácio de sua ópera médica, a que acremente se refere LINNEU, ao descrever a PISOnia (planta da família das Nyctagineas) nos seguintes termos: "PISOnia est arbor nimis horrida. Horrida certe memoria viri si vera, quae MARCGRAVIO affi- nis objicit, PISOno, quod PISOnus omnia a MARCGRAVIO post mortem habuerit". (Crítica botânica, L. B. 1.737, pág. 79).Comenta o ilustre psiquiatra brasileiro: Tendo-me habituado a procurar, para aproveitá-lo, nos insanos, o que lhes escapa ao sossobro das faculdades mentais, não costumo levar em major conta o mal do que o bem das ações humanas.Porisso sempre achei exagero nas referidas críticas a W. PIES, porque a-pesar-das divergências que tivera com JORGE MARCGRAVE, sempre a ele se referiu nos melhores termos (doctissimum et dili-gentissimum, etc). Como vimos queixou-se PISO do desleixo de JOÃO DE LAET.Falando da primeira obra em que ambos colaboraram escreve ALFREDO DE CARVALHO:PISO, sobrecarregado de trabalhos, confiou a empresa de pôr em ordem os originais de MARCGRAVE a JOÃO DE LAET. Este, por sua vez, entregou os papéis relativos à astronomia e á geodesia a GOLIUS.Mas, à organização e classificação dos manuscritos se opunha quase invencível dificuldade a cifra composta por MARCGRAVE, precavidamente em época de tamanha pilhagem do trabalho intelectual.A grande custo logrou o editor descobrir a chave do sistema criptográfico e traduzir as notas do cauteloso sábio; estando, porém, escritas em pequenas folhas de papel, sem numeração, não foi menos penoso o trabalho de coordená-las.Conseguido isto, e havendo também PISO fornecido o seu contingente, pôde enfim, em 1648 aparecer o livro, em um volume in-fólio observa ALFREDO DE CARVALHO:Conquanto no título figurem os nomes de PISO, MARCGRAVE e LAET, já O notou DRIESEN, foi MARCGRAVE sempre considerado o principal autor e sob o seu nome é citado o livro.Em 1658, PISO, acusando LAET de precipitação e desleixo, promoveu uma segunda edição da obra, que, entretanto, no conteúdo e na forma, difere da primeira a ponto de ser reputada um livro novo.Ambas as publicações, encerram, contudo a súmula, completa e fidedigna, dos produtos naturais