Escorço biográfico por Affonso de E. Taunay

Escrito por Taunay, Alfonso e publicado por Museu Paulista. Imprensa Oficial do Estado

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Tais figuras assemelham-se de tal forma às de MARCGRAVE,, que devem ter sido impressas segundo o mesmo modelo, ou ambas as coleções tiradas das mesmas pinturas. Parece-nos naturalmente; admissível que este "rapaz nosso patrício seja o próprio MARCGRAVE".Terminando o seu brilhante escorço da vida do sábio de Liebstadt escreveu JULIANO MOREIRA eloqüentes conceitos:"Infelizmente para a ciência esse trabalhador perspicaz e infatigável não pôde realizar todo o plano de uma obra monumental, que ele por tantos anos acariciara e por vezes anunciara a seu antigo con-discípulo SAMUEL KECHELIUS". Certo de que a permanência de MAURÍCIO DE NAS SAU no Brasil não seria muito prolongada ainda, tenaz, insaciável na ância de descobrir cousas novas, havia, em 1644, decidido ir para a África a-fim-de, naquele continente completar estudos que lhe seriam úteis no regresso à Holanda. Mas dispusera o Altíssimo que assim não fosse. Em meiados de 1644, na idade de 34 anos, e em Loanda, desaparecia.Disse-o muito bem LICHTENSTEIN há mais de cem anos na Academia Real das Ciências de Berlim:"Não há nenhuma dúvida de que o seu nome deverá ser citado entre os primeiros heróis da ciência""Herói e mártir, devemos dizer, concluiu MOREIRA, porque das endemias reinantes nas terras que tentara estudar, veio a sucumbir aquele grande es-crutador da nossa opulenta natureza, à trama de cuja história vinculou ele seu nome benemérito".Finaliza GUDGER O seu excelente escôrço biográfico, como que em eloqüente peroração a examinar os frutos do labor científico de MARCGRAVE e a mostrar quanto o Destino lhe foi contrário."De sua "Proginastica Matemática Americana", resta-nos apenas um fragmento. Sua explêndida "Historia Rerum Naturalium Brasiliae", foi editada por mãos incompetentes. Seus magníficos desenhos de história natural, como jamais o mundo conhecera tão bons, estiveram como alheios à ciência durante 150 anos.Suas explêndidas coleções foram espalhadas aos quatro ventos.Foi-lhe o Destino certamente adverso. Morto aos 34 anos, no apogeu das forças, que perda para o mundo trouxe o seu desaparecimento !Analisando os resultados dos seus seis e meio anos de Brasil, como não reconhecer quanto benefício traria à Ciência, se ele próprio houvesse acompanhado a impressão de seus manuscritos, reproduzindo os seus desenhos, descrito suas coleções; em suma, publicado como pretendia, a grande "História Natural do Brasil", que deveria abranger tanto os habitantes dos ares, como os das águas e os das terras, e da qual apenas nos restam explêndidos fragmentos, poderoso padrão de seu gênio !Bem a qualificou LICHTENSTEIN de "precioso legado", a indagar se algum outro país do mundo, jamais teve em suas primeiras explorações, tão completa e exaustiva resenha de sua história natural.Citemos ainda a LICHTENSTEIN:"São estas apenas pequenas parcelas daquilo que MARCGRAVE teria produzido em mais. longa vida, e um exemplo do lamentável destino, que a tão prematuro fim condenou tão proficiente cientista.Quantos erros, quantas noções falsas, quantos debates inúteis nos teriam sido poupados se MARCGRAVE houvesse podidio arrumar e divulgar suas observações!"Tivesse vivido mais, observa GUDGER com o mais elevado e exato critério, os conhecimentos de História Natural do Brasil estariam mais adiantados em 1650 do que se achavam em 1820.Depois de escapar aos perigos do abismo oceânico, às peripécias dos campos de batalha e dos assédios (onde por duas vezes, e por um triz perdera a vida), depois de se ter safado dos perigos das florestas e das correntezas, das febres e das feras, das serpentes venenosas e canibais selvagens, veio este homem, cheio de extraordinários méritos e robustíssima cerebração, a falecer de uma febre endêmica, nesse antro pestilento conhecido de todos os tempos, a Costa do Ouro do ocidente africano...Morrer aos 34 anos, em pleno viço das faculdades, deixando inacabada uma grande obra, que perda para o Mundo!Com LICHTENSTEIN, chamemo-lo, pois, um dos maiores heróis da ciência!CAPÍTULO X"Willem Pies ou Gullielmus piso. - notas biográficas. - seus trabalhos no brasil e seus méritos como fundador da nosologia brasileira. - um depoimento curiosoQuasi tão famoso quanto MARCGRAVE e, por assim dizer, seu inseparável é o médico particulor de JOÃO MAURÍCIO DE NASSAU: O dr. WILLEM PIES a cujo nome celebrizou a latinização para PISO.Não se sabe a data exata de sua chegada ao Brasil como membro da primeira missão puramente científica expedida por país europeu ao Novo Mundo.Ouçamos porém a douta palavra de JULIANO MOREIRA.Foi PISO "O arquiatra do príncipe não desde o começo de sua expedição, como erroneamente o afirmam quasi todos os seus biógrafos. Nas atas das reuniões da Comissão dos XIX da Companhia das índias Ocidentais durante o ano de 1636, não figura o nome de W. PIES, pela simples razão de que não foi ele quem acompanhara o conde na travessia do Atlântico. Veiu, sim, WILLEM VAN MILAENEN, médico desconhecido, que logo faleceu ao chegar ao Brasil. Em carta datada de 25 de agosto de 1637, o conselho administrativo em Pernambuco, pedia que lhe fosse enviado, o mais breve possível, um outro "médico hábil e experimentado. Em conseqüência disso, foi nomeado para vir ao Brasil o dr. W. PIES. Sabemos hoje ao certo a data da saída de Holanda de GEORGE MARCGRAVE, mas não há certeza sobre a de PIES.Talvez tivessem vindo juntos, assim como H. CRALITZ.WILLEM PIES, cujo nome foi depois latinizado em PISO, nasceu em Leyden em 1611. Graças ao ar-quivista do Museu comunal daquela cidade, o sr. Ramnelman Elzevier, sabemos hoje que o pai de GUILHERME PIES era um músico alemão, HERMANN PIES, nascido em Cleves. Este, aos 27 anos, se inscrevera aos 6 de maio de 1607, como estudante de medicina, em Leyden.Parece certo que não concluiu os estudos pois há evidentes provas de que passara a vida como músico, e de 1625 a 1645 fora organista da Igreja de S. Pancrácio (Hooglandsche Kerk).GUILHERME PIES foi, como o insigne JACOB BONTIUS, aluno de medicina da gloriosa cidade de seu nascimento. Depois passou a Caen, na Normân-dia, onde se doutorou aos 22 anos. Aos 4 de julho de 1633, inscreveu-se como médico na cidade de Amsterdam. Aos 26 ou 27 anos foi nomeado, como dissemos há pouco, pela Companhia das Índias Ocidentais para vir ter ao Brasil como médico do conde e arquiatra da expedição.A ALBERT CONRAD BURG, burgo-mestre de Amsterdam e membro do Conselho dos XIX; a JOÃO DE LAET, um dos melhores cronistas da Companhia, manifestara o Príncipe antes de partir, o desejo de que fosse organizada uma expedição aos domínios que a Holanda pretendia firmar no Brasil. E, destarte, foi W. PIES investido na chefia da primeira missão pu-