Escorço biográfico por Affonso de E. Taunay

Escrito por Taunay, Alfonso e publicado por Museu Paulista. Imprensa Oficial do Estado

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na ilha de Antônio Vaaz (sic) infelizmente muitíssimo perturbado pela nebulosidade do fir-mamento. Apenas lhe deixou esta determinar a altura meridiana do Sol no começo, meio e fim do fenômeno e os cornos verticais do eclipse. Observa PINGRÉ: Na História Natural de PlSO, edição dos Elzevires, 1658, in fol há um tratado topográfico e meteorológico do Brasil por MARCGRAFF. No primeiro capítulo existe uma exposição desse mesmo eclipse solar muito diversa em todos os seus pontos daquilo que copiámos do manuscrito. Mas, torna-se claro que o eclipse se acha pormenorizado no manuscrito, tal qual foi observado e no impresso como calculado. Pelo menos tratou-se de se aproximarem os resultados da observação e os do cálculo MARCGRAFF acrescenta, no manuscrito, que um mestre de navio, achando-se a 20°5, de latitude austral e a 23 milhas da costa do Brasil, notou o começo do fenômeno às 23 horas e o final a uma hora e 15 minutos. Grandeza do eclipse oito dedos.Falando das observações realizadas em 1639, lembra PINGRÉ que a 12 de outubro deste ano, e às sete horas, observou MARCGRAVE a Vênus, então distante de cerca de 18 minutos a oeste da alfa do Escorpião em seu observatório da ilha de Antônio Vaz. A 13 e às mesmas horas distava de 30 minutos para Leste; estava em linha reta com d e B da mesma constelação, alfa e beta divergindo contudo, mas muitíssimo pouco desta linha para o sul. Os orientais, afirma MARCGRAVE, devem ter visto Vênus passar um pouco ao Norte de a; a conjunção deve ter sido realizada a 12, às 16 horas.A tal propósito escreve PINGRÉ como resultado de seu exame dos manuscritos do sábio de Liebstadt:"Entre 16 de setembro de 1639 e 10 de março de 1643, realizou JORGE MARCGRAVE muito avultado número de observações de alturas do sol, das estrelas e dos planetas superiores.Parece ter se dedicado sobretudo a acompanhar Mercúrio, de cuja presença gozava mais freqüentemente do que nos é dado em nossas latitudes boreais.Observou-o na ilha de Antônio Vaaz (sic) no Brasil".É natural que o astrônomo francês estropeasse o nosso topônimo, a tanto levado pela cartografia holandesa, seja dito entre parêntesis.CLÁUDIO NICOLAU DE L'ISLE conta em seus manuscritos que esta ilha se acha a 8°8' de latitude austral e 2°25.5' de longitude, sem dúvida ocidental, de Paris.Com efeito, as alturas meridianas do Sol tomadas nos próprios dias dos dois solstícios estabeleceram a latitude desta ilha a 8°8' colocando-a, portanto, ao norte de Olinda, cuja latitude já se determinara como sendo de 8°13".Entretanto, continua o autor francês, a expender dúvidas, após infrutíferas pesquisas, achei na parte décima terceira do que chamam As grandes viagens um mapa geográfico em que a ilha se acha a 13 minutos a sudeste de Olinda. Mas o que se lê neste mesmo lugar, em LAET, Descriptio Indiae Oci-dent 1. 15, c. 25 e 26, e no tomo XIV do Recueil de Voyages, de PRÉVOST, confirmando por um lado que a ilha de Antônio Vaaz está mais ao sul do que Olinda, persuadiram-nos, por outro lado, que a distância não era, e com grande diferença, tão considerável quanto o dito mapa o fazia crer.Tomei a resolução de calcular mais de cento e cincoenta alturas meridianas observadas por MARCGRAff. Os resultados não combinaram. Mas notei que se podiam distribuir estas observações por três períodos diversos.A primeira fase começa a 16 de setembro de 1639, e termina em março de 1640. A 19 deste mês, pela manhã, desabou a casa em que MARCGRAFF residia e ele foi obrigado a interromper as observações durante alguns meses. Assaz avultado número de observações que fizera haviam dado 8°15' ou menos 16 minutos, como sendo a latitude da ilha de Vaaz, algumas mais, algumas menos.Retomou MARCGRAFF as observações para fins de julho de 1640 e continuou até os últimos dias de janeiro do ano imediato.Segundo as alturas meridianas então determinadas, a latitude seria de 8°8' quando muito. E até o maior número das observações dá claramente 8°5' ou 6'. O resto do ano a partir de 1642 foi por MARC-GRAFF consagrado a operações geográficas, corográ-ficas, de história natural em diferentes partes do continente.Retomou as observações astronômicas a 20 de novembro de 1642 e o avultado número das que realizou até 10 de março de 1643, concorda em dar 8 graus e 15 ou 16 minutos de latitude austral à ilha de Antônio Vaz.Na Geographia Blaviana (tomo XI, p. 261), existe um mapa da parte setentrional do Brasil, muito pormenorizado, e feito com grande cuidado. Nele, o forte dos Holandeses, onde, ou perto do qual parece positivo que MARCGRAFF observava, acha-se ao norte da ilha cujo sul declina muitíssimo pouco a oeste da cidade de Olinda. A distância do forte ao centro da cidade não chega a três minutos. Ora se Olinda se acha a 8°13' de latitude, o tal forte deve encontrar-se muito aproximadamente a 8°15,5' como se conclui das primeiras e últimas observações.Se as médias não dão o mesmo resultado, pode se supor que o instrumento colocado no plano do meridiano ficou prejudicado pelo desabamento da casa, a 18 de março de 1641. Pode-se também, aventar a suposição de que recolocado em posição, em junho seguinte, haja ficado mal orientado. O que me parece mais favorável, depois de detido exame é que o recolocaram de tal modo que deu alturas de cerca de dez minutos menores do que realmente eram".Este trecho de PINGRÉ documenta o extremo cuidado com que MARCGRAVE procurou determinar, e com a máxima exatidão, as coordenadas de seu observatório.Passa o astrônomo francês a fazer a crítica das operações do sábio de Liebstadt de acordo com o que pôde ler no manuscrito copiado existente no Arquivo de cartas, mapas e diários da Marinha de França. E recorda que BOULLIAU transcreveu muita coisa ainda que anexou a este acervo.MARCGRAVE observava a princípio a altura, e freqüentemente o azímute de uma estrela fixa, depois observava a passagem do planeta pelo meridiano e sua altura meridiana, ou, quando se tratava de Mercúrio, a altura, e o azímute deste. Marcava a princípio, o número de minutos escoados entre a observação da fixa e a do planeta.Como determinava este número" Ignoro; provavelmente por meio de um relógio ou por estimativa. Recorreu, mais tarde, às oscilações do pêndulo simples.A um cilindro de metal, pesando 2 libras 13/4 onças ou sejam 41 3/4 onças, sustinha uma corda com um comprimento de 29 polegadas renanas.MARCGRAVE contava, ou fazia contar, as oscilações deste pêndulo, entre as alturas da estrela e a observação do planeta e freqüentemente, continuava a contá-las entre a observação do planeta e uma altura subsequente da mesma estrela. Assim obti-nha o número de oscilações decorridas entre as duas alturas consecutivas da mesma estrela. Tornava-se fácil determinar o número de segundos de tempo correspondente a este número de oscilações. Mas MARCGRAVE não o fez e nós ensaiámos suprir esta falta.Em 1639 só encontrámos quatro combinações realisaveis. Concordam pouco entre si, peor ainda com as dos anos subsequentes. Ou os que contavam as oscilações ainda não estavam bem exercitadas ou MARCGRAVE, pretendendo fazer com que seu pêndulo batesse os segundos, pôs-se a diminuir gradualmente a haste, deixando-o afinal tal qual se achava em fins de setembro de 1639. A 23 de setembro bateu o pêndulo 145 vezes, a altura de Arcturus, variando de 42 minutos ou em 185' segundos, o que daria uma estimativa de 120 segundos de tempo por cem oscilações. No mesmo dia notam-se 151 oscilações

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sobre 39 minutos de variação na altura de Arc-turus, ou sobre 173 segundos de tempo marcado, o que dá 114,7 segundos por cem batidas".Transcreve PINGRÉ as observações do astrônomo relativas a 24 de setembro, tal qual as encontrou em seu manuscrito, declarando, porém, que deviam ter sido adulteradas por um copista "qui a ici tout brouillé".Diminuindo as alturas de Mercúrio o seu azímute de Oeste para o sul deveria ter aumentado quando no entanto diminue. Batendo o pêndulo 178 vezes, a altura de Arcturus, não varia contudo."A 25 de setembro, 150 oscilações correspondem a 229 segundos de tempo, portanto, 100 deveriam corresponder a 152 segundos e dois terços o que não parece verosímil".Pensa PINGRÉ que o copista - detestabile genus, a cada passo terá lido 44 oscilações em vez de 94 contadas entre a primeira observação de Mercúrio e a altura seguinte de Arcturus. Neste caso as 200 oscilações contadas dando 229 segundos, cem corresponderiam a 114 segundos e meio.Afinal, a 28 de setembro de 1639, duzentas e dezesseis oscilações contadas entre duas alturas de a da coroa boreal, correspondem a 238 segundos e oito décimos ou 110,2 segundos por cem oscilações.Assim sendo, as três últimas determinações concordariam sofrivelmente. Terminando-as terá MARCGRAVE, sem dúvida, encurtado a corda de seu pêndulo pára 29 polegadas renanas, comprimento que só devia dar 87 segundos por cem vibrações quando como se vê do quadro das observações deviam dar mais, Mas o cilindro que fazia o papel de massa pendular devia ter algum comprimento, pois que pesava duas e meias libras. Qual seria este comprimento" É o que os manuscritos marc-gravianos não esclarecem, infelizmente, observa PINGRÉ."Em 1640 uma média entre 40 combinações de números das oscilações com as variações correspondentes da altura de uma mesma estrela dá 94,59 segundos por cem oscilações. Mas si se excluírem quatro que se afastam demais deste resultado médio, as 36 restantes só darão 94,02 por cem oscilações".Nos dados de MARCGRAVE, para 1642, quinze combinações oferecem a média de 92,46 segundos por cem oscilações. Mas se forem excluídas três destas quinze por concordarem pouco com as demais tem-se que cem oscilações corresponderão a 94,44 segundos."Se juntarmos as 40 combinações de 1640 e as 15 de 1642, estas cincoenta e cinco darão a média de 94,01 segundos por cem oscilações ou 94,12 se excluirmos as sete combinações disparatadas.Pensa PINGRÉ que para 1640 e 1642 pode-se chegar à conclusão de que o número de oscilações está para o de segundos como 100 para 94.Transcreve o autor das Annales célestes du dix septième siècle uma página das observações inéditas de MARCGRAVE sobre Mercúrio, realizadas sempre entre seis e meia e sete horas. A última coluna contém oscilações pendulares contadas entre a observação precedente de Mercúrio e a altura seguinte da estrela, sendo os azímutes de Mercúrio todos contados de oeste para o sul.A este quadro acompanham notas de BOUILLAU corrigindo dados segundo se encontra no manuscrito autógrafo deste astrônomo: Bulliali manus-criptus codex que LE MONIER comunicou a Bi-GOURDAN, o impressor e comentador de PlNGRÉ em 1901.Revelam divergências como p. ex., 97 e 106 no apógrafo marcgraviano para 79 e 116 oscilações pendulares do texto de BOULLIAU, 11°8' em vez de 8°11' para uma altura de Mercúrio. Ora, o manuscrito, hoje no Observatório de Paris, é cópia e não o original de MARCGRAVE O que faz acreditar na deturpação de seu texto pelos copistas.Para dar uma idéia da disposição dos quadros de MARCGRAVE transcrevamos-lhes uma parte.

Datas16 Out.24 Out.25 Out.EstrelasArcturoArcturoArcturoAltura das estrelas19,4613,1514,47Minutos escoados..1.%--Oscilações-84106Altura de Mercúrio10,5913,4315,12Azim. de Mercúrio9,3612,1612,29Oscilações-9446A 28 de setembro de 1639, mais ou menos às seis horas e um quarto logo que o crepúsculo permitiu a visibilidade de Mercúrio o planeta apareceu muito perto e acima da Lua, então crescente. Descambou um pouco para o Sul porque a própria eclíptica declinava para o alto deste lado.Logo depois foi Mercúrio eclipsado pelo bordo superior oriental e obscuro da Lua. Ocorreram 1.046 oscilações pendulares após a imersão achando-se alfa da coroa boreal à altura de 24 graus e 24 minutos. Para fixar exatamente a hora da imersão, tomou MARCGRAVE a segunda e terceira altura da mesma estrela encontrando 23°48' e 23°. Neste intervalo de um minuto e cincoenta segundos registraram-se 2.160 oscilações.Quando a estrela baixou a 21°52' a emersão ainda não se verificara. Apareceram então nuvens que perturbaram as observações.A latitude austral de Mercúrio era um pouco menor que a latitude aparente da Lua".Falando das observações sobre planetas em 1640, refere ainda PINGRÉ as de MARCGRAVE e transcreve as observações que ele fez da passagem dos planetas superiores pelo meridiano. Observou Júpiter, Saturno e Marte em agosto (24, 25, 26, 28 e 30), em setembro (1, 7, 17, 18, 19, 20, 23, 25, 26) e em outubro (2, 9, 10, 14), anotando as alturas e azímute das estrelas, oscilações, alturas meridianas dos planetas e oscilações.Ocupou-se sobretudo de Mercúrio, que tanto interesse lhe causara em agosto (7, 10, 24, 25, 26, 28, 30) e setembro (1, 2, 6, 7, 14), de 1640, observando Arcturus e alfa da miu gama inscrevendo as alturas das estrelas e seus azímutes, oscilações, alturas e azímutes de Mercúrio e oscilações.De 1641 conhece-se a observação de 18 de janeiro, às seis e meia, em Antônio Vaz, sobre Vênus que estava ao ocidente de Saturno e parecia dever tangenciá-lo ou pelo menos passar muito perto deste planeta, a uma distância de dois terços do campo do telecóspio. No dia seguinte às 7 horas Vênus passara Saturno e a sua distância igualava a de beta e gama de Aries um grau, 31 minutos e onze segundos, de acordo com os cálculos de FLAMSTEED.De 1642 há documentos de que MARCGRAVE prosseguiu na observação cuidadosa de Mercúrio em novembro (2, 7, 8, 9, 20, 21 e 22) valendo-se de Antares, alfa da Lyra, a do Cysne Fomalhaut e a da Águia.A 14 de abril de 1642 estava no Rio Grande do Norte, à foz do Potengi, no forte Ceulen e lá observou o eclipse lunar segundo contam os seus manuscritos inéditos. Procyon se encontrava a 31°,31' a oeste. Para a imersão tomou a altura de Antares e para o final uma estrela do Sagitário. Nuvens atrapalharam a emersão. No mesmo momento o Capitão JACOB ABRAHAMSEN, como revelam suas notas observou o começo e o fim do fenômeno no Ceará à foz do rio Panamá (?) Nunca eclipse algum como este tivera tantos observadores, anotou RlC-CIOLI, nem observações mais díspares.Conhecem-se também observações marcgravianas do eclipse lunar de 7 de outubro de 1642 sempre em Antônio Vaz. Decorridas 151 oscilações de seu pêndulo estava Marte a 48°43'40" de altura para o