Escorço biográfico por Affonso de E. Taunay

Escrito por Taunay, Alfonso e publicado por Museu Paulista. Imprensa Oficial do Estado

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Logo depois encetava as operações de guerra contra o forte núcleo único de resistência portuguesa ainda existente ao norte do S. Francisco, Pôrto Calvo, onde comandavam os bravos CONDE DE BAGNUOLO e MIGUEL GIBERTON. Não tardou que esta praça caísse em poder dos batavos. Rendeu-se GIBERTON e BAGNUOLO, acossado retirou-se além São Francisco.Animado com estes triunfos, resolveu JOÃO MAURÍCIO DE NASSAU desfechar outro agora muito mais importante golpe: pretendeu nada menos do que se apossar da capital do Brasil. Nesta ocasião o domínio holandês estendia-se da foz do S. Francisco ao extremo setentrional do Rio Grande do Norte. Neste ínterim vivia MARCGRAVE absolutamente obsecado com a idéia de conhecer o BrasilDiz-nos MANGET: Ardia com desejo de estudar as estrelas do hemisfério austral e observar sobretudo Mercúrio. E ao mesmo tempo queria contemplar a extensão imensa daquele campo ainda não trabalhado, da História Natural, e augurava a glória, nada pequena, que uma estada na América lhe poderia proporcionar.Assim removeu difíceis óbices, procurando valer-se de todas as oportunidades para realizar o tão acarinhado projeto.Apegou-se a JOÃO DE LAET, O famoso diretor principal da Companhia das Índias Ocidentais, tão célebre como analista da Companhia e sobretudo como geógrafo.Era dos mais ilustres flamengos de seu tempo, nascido que fora em Antuérpia.Suas obras corriam o mundo científico europeu onde as suas Descrições se viam acatadíssimas pelo alto critério e consciência de sua fatura cheia da exação compatível com o tempo. Assim se dava com as suas Gallia e Hispania, ambas de 1629, e a Belgii confederati respublica, de 1630. Vivia JOÃO DE LAET na Holanda, fugindo à sua terra natal, então dominada pelos espanhóis. Em 1631 dava o De Imperio magni Mogolis sive índia verd no seguinte descrevia a Pérsia.Pouco depois corria mundo a mais célebre de Suas obras, a que se refere ao Novo Mundo: o Novus Orbis seu descriptionis Indiae Occidentales (Leyden 1633), que os franceses traduziram em l640 sob o título de Histoire du Nouveau Monde. Pôs-se MARCGRAVE em contato com JOÃO DE LAET, e este, desde os primeiros dias, ficou absolutamente conquistado por quem lhe pedia a proteção e lhe dava a impressão de uma mentalidade absolutamente fora do comum.Esta impressão lhe perduraria até à morte em 1649. A ela deveria a obra de MARCGRAVE não se ter perdido nem haver sido quiçá totalmente prejudicada pelos ciúmes ou a mediocridade de Piso.Nada mais explicável do que a atração do Brasil sobre a mentalidade de MARCGRAVE, observa ALFREDO DE CARVALHO.O Brasil é o paraíso dos naturalistas, afirmou em um momento de entusiasmo o famoso BUR-MEISTER. "Nenhuma outra região da terra, acrescentou na introdução à sua excelente Systematische Ubersicht der Thiere Brasiliens, tem contribuído para as instituições científico-naturais da Europa, com tão opulento cabedal como a grande área central da América do Sul, cujo planalto ondulado é cortado por dois dos maiores sistemas fluviais: por toda parte, principalmente nos nossos museus alemães, encontramos os produtos brasileiros constituindo a maior cópia dos materiais existentes."O origem de semelhante riqueza é de fácil explicação: continua ALFREDO DE CARVALHO: contam-se por dezenas as existências laboriosamente consumidas em investigar os tesouros inexauríveis da nossa flora sem rival; em coligir, estudar e classificar a pasmosa variedade dos representantes da nossa fauna característica; vergam as estantes das bibliotecas especiais ao peso da volumosa literatura de história natural do Brasil 'que o século passado viu surgir.Mas, ainda assim, quantos se aventuram a explorar os reinos vegetal e animal neste país privilegiado alcançam recoltas abundantíssimas. Certo já passaram os tempos em que NATTERER colhia 205 espécies novas de aves e 73 de mamíferos, nem é mais possível repetir a façanha de BATES, apanhando 700 borboletas, quase todas desconhecidas dos entomólogos, no espaço de uma milha em quadra".Em princípios do século GOELDI e H. VON IHERING estavam em condições de expor que a tarefa por fazer no Brasil não era inferior à que já se realizara, expende o autor de Aventuras e Aventurados. "E isto depois de FERREIRA RODRIGUES, CONCEIÇÃO VELLOSO, LEANDRO DO SACRAMENTO, ARRUDA CÂMARA, SWAINSON, MARTIUS, SPIX, MAXIMI-'LIANO DE WlED, SAINT-HlLAIRE, SlEBER, FREYREISS,SELLOW, POHL, v. OLFERS, LESSON, O DUQUE DE LEUCHTENBERG, POEPPIG, LANSGSDORF, MENETRIÉS, BURCHELL, DARWIN, LUND, REINHARDT, BEHN, OSERY, WEDELL, BESKE, VON HELMREICHEN, GARD-NER, WALLACE, EULER, FREIRE ALEMÃO, CAMI-NHOÁ e cincoenta outros que lhes seguiram as pegadas ou têm escrito sobre os materiais avultadís-simos reunidos por esta pléiade de indefessos exploradores .Supreendia, pasmava tanto labor profícuo; mais próprio a maravilhar o alicerce, em que se apoiava toda esta magnífica construção: obra de um só homem, JORGE MARCGRAVE. E por mais de um século assim permaneceria."Capítulo IVPartida de Marcgrave para o Brasil. - encontros com Maurício de Nassau durante o assédio da cidade do salvador. - graves riscos corridos. - os elevados pendores culturais de Nassau. - comentários de Alfredo de Carvalho. - Marcgrave, o verdadeiro iniciador dos estudos científicos no novo mundo.Escreve JULIANO MOREIRA, que o irmão de MARCGRAVE, "O notável médico CHRISTIANO MARCGRAVE que no século XVII tanto se preocupara com as aplicações da química à fisiologia e a terapêutica, refere em notas biográficas haver seu irmão movido pedras, a buscar toda oportunidade para vir à América.Ardia em grande desejo por contemplar as estrelas austrais e sobretudo Mercúrio; sabia que a América, era uma sementeira de coisas naturais e que dal lhe adviria uma messe de não pequenos louvores. Magno flagrabat desiderio contemplandi sidera australia et prae omnibus Mercurium: Sciebat segetem rerum naturalium et inde haud parvae laudis messem, estare in America. Omnem itaque movei lapidem, omnem captal occasionem adeundi Americam Christianus Marcgravius. - Opera medica. Amstelodami apud Franciscum van der Plaats in 4.° 1715 e transcrito em Mangetus. Bibliotheca scriptorum medicorum - 1731 - art Margravius. - VoL.II 22.262).Assim, aos 28 anos de idade, partiu MARCGRAVE da Holanda, no dia 1 de janeiro de 1638, rumo da nossa costa setentrional, aportando à Baía de Todos os Santos após dois meses de viagem, segundo ainda refere seu irmão."No ano de 1638 da era de Christo, nas próprias calendas de janeiro, deixou a Europa no espaço de dois meses, como ele próprio anotou, dia por dia,