Escorço biográfico por Affonso de E. Taunay

Escrito por Taunay, Alfonso e publicado por Museu Paulista. Imprensa Oficial do Estado

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Refere MANGET, diz GUDGER, que constantemente lhe soavam aos ouvidos os estímulos das palavras paternas e dos conceitos do avô a saber que o Universo estava aberto à sua frente.O fato de residir em Leyden a quarenta quilômetros de Amsterdã, punha-o em contínuo contato com os marítimos neerlandeses, alemães, escandinavos, etc, que voltavam de longas jornadas oceânicas, do Extremo Oriente, da África e da América.Fundara-se em 1621, como geralmente é sabida e com carta patente dos Estados Gerais das Províncias Unidas, a Companhia das índias Ocidentais com o capital, para a época enorme, de 7.108.161 florins.Cederam-lhe os Estados Gerais, pelo prazo de 24 anos, o direito exclusivo do tráfego e navegação em quase toda a África e na América, com poderes amplos para fazer a guerra, levantar fortificações, estabelecer colônias. E ainda por cima se comprometeram a subsidiá-la com um milhão de florins em cinco prestações anuais.Com o correr dos anos foi aumentado o capital para duzentos milhões de florins em três mil e tantas ações de seis mil florins.Os imensos lucros da Companhia das ÍndiasOrientais, fundada em 1602 e que se convertera emflagelo do mundo colonial espanhol e português esti-mulavam a atuação da nova companhia.Escreve NETSCHER a quem traduz GALANTI."Apareceu desde logo a nova companhia mais como instrumento de guerra e destruição (o que de fato era) do que sociedade fundada em cálculos de probabilidade com futuro mercantil.Deviam enriquecê-la as presas marítimas e os despojos das cidades vencidas... Os sertões de Angola, as praias de Guiné e as florestas do Brasil não prometiam aos armadores as opulentas primícias de que seus compatriotas tanto fruto haviam colhido no trato de Bornéu e Ceilão, do Japão e das Molucas.Assenhoreando-se daqueles mares, alimentando o contrabando nas colônias espanholas e distraindo as forças da corte de Madrid, ampliava a navegação e a indústria, auxiliando vigorosamente a luta da pátria contra a antiga metrópole.Para se ter idéia das perdas causadas pela Companhia às duas monarquias (espanhola e a portuguesa) , bastará observar-se que no espaço de treze anos (de 1623 a 1636), armou a sociedade, à sua custa, oitocentos navios, e apresou, portugueses e castelhanos mais de quinhentos vasos. Em 1628 toda a esquadra do Peru, chamada da prata, caiu nas suas mãos. Gastando quarenta e cinco milhões de florins (5.375:000$000) nos armamentos, arrancou das presas marítimas perto de 90 milhões (11.350:000$000) e repartiu, durante a guerra dividendos anuais de 25, de 50, de 80 e até 95 por cento das ações, que na praça se cotavam com ágio superior aos da Companhia das Índias Orientais...Desde o começo foi logo o Brasil designado como o ponto principal para o qual deviam tender os esforços da nova Companhia; mas os diretores enquanto acudiam com regulamentos oportunos à direção do comércio da África Ocidental, guardavam rigoroso segredo acerca do seu plano.Assaltaram as forças da Companhia a cidade d'0 Salvador em 1624 como todos sabem e apossaram-se da capital brasileira mas de lá se viram re-chassados definitivamente, após a capitulação de 1 de maio de 1625, pela esquadra luso-espanhola de D. FADRIQUE DE TOLEDO OSÓRIO, marquês de Valdueza.Teve a Companhia enorme prejuízo com o armamento das duas esquadras de socorro, dos Almirantes JAN DIRKSZOON LAN e BOUDEWYN HEN-DRIKSZOON e por um triz se viu forçada a abrir falência. Mas recuperou enorme alento com o apre-samento de riquíssima esquadra da prata, os galeões do Peru e México, tomada por PIETER PIETERSZOON HEYN, O terrível "Pedro Peres" ao Almirante espanhol BENAVIDES em 1628 na baía de Matanzas, em Cuba.Foi o que lhe permitiu planejar e armar a expedição que, em 1630, a 16 de fevereiro, se apossou de Olinda.Ocorreu porém a reação nacional e os holandeses - se viram na iminência de ter de abandonar a presa, bloqueados numa área litorânea restríssima, por MATHIAS DE ALBUQUERQUE e seus heróicos guerrilheiros. A traição de CALABAR, mudou a face das operações alargando-se imenso a área da conquista batava com a tomada de Iguarassú, Paraíba, Pôrto Calvo. Viu-se MATHIAS DE ALBUQUERQUE forçado, em julho de 1635 a retirar-se com a sua gente, além São Francisco.Acima do grande rio só restava então uma praça portuguesa defendida por BAGNUOLO, a quem tentou socorrer, o corpo expedicionário de D. Luis DE ROJAS Y BORJA, sendo porém completamente batido por ARCISZEWSKI, na Mata Redonda, a 18 de janeiro de 1636, onde perdeu a vida o general castelhano.Cada vez mais se consolidava o domínio holandês no Extremo Nordeste Oriental. Foi então que os Estados Gerais, sentindo cada vez mais forte o seu domínio, na terra por excelência açucareira, no Universo, impuseram à Companhia das Índias Ocidentais a nomeação de um governador do Brasil Holandês, de alto nascimento e jerarquia, grande prestígio militar e intelectual.Era ele o Príncipe JOÃO MAURÍCIO DE NASSAU SIEGEN, alemão, e não holandês como muitos supõe, primo e afilhado do Príncipe de ORANGE, MAURÍCIO DE NASSAU, O filho ilustre do Taciturno e Stathouder de Holanda, desde 1584, ano do assassinato do seu heróico Pai, até 1625. Primo portanto também de seu irmão e sucessor HENRIQUE FREDERICO DE NASSAU (Stathouder de 1625 a 1649).Nascido a 17 de dezembro de 1604, no castelo de Dillenburg, do casamento de JOÃO II DE NASSAU, cog-nominado o moço, com MARGARIDA DE SCHLESWIG-HOLSTEIN passou JOÃO MAURÍCIO DE NASSAU-SIEGEN os anos da infância em Siegen, pequena cidade da antiga Hessen-Nassau, hoje Westphalia prussiana.Cursou as universidades de Basiléia e Genebra, mas mal completara dezesseis anos encetou a carreira das armas no exército de seu parente HENRIQUE FREDERICO DE NASSAU, Príncipe de Orange, que se media com um dos mais famosos cabos de guerra de seu tempo, o ilustre genovês AMBROSIO, Marquês de Spinola.Conquistou JOÃO MAURÍCIO DE NASSAU as promoções em diversos campos de batalha.Em 1626, capitão do exército holandês, compar-ticipou da tomada de Grol.Servindo sob as ordens do mesmo príncipe que passara a ser "stathouder" da Holanda, coube-lhe parte sobremodo ativa no cerco e tomada de Bois le Duc, sendo, em 1629, promovido a coronel.Distinguiu-se muito na batalha de Roermonde, em que foi ferido (1631), e nas tomadas de Maes-tricht (1632) e de Schenkenhaus (1636), onde se salientou imenso. Já então tinha notável prestígio na Holanda; daí a sua escolha pelo Stathouder e os Estados Gerais das Províncias Unidas para ir reger, por cinco anos, o Brasil neerlandês com os títulos de Governador, Capitão e Almirante General, a dotação anual de 18.000 florins e emolumentos de dois por cento sobre o valor de todas as presas feitas sobre o inimigo em terra e no mar.Chegariam estas durante a sua administração à importância notável de 2.017.478 florins, dizem os seus biógrafos.Tal o novo governador do Brasil batavo cujo nome se imortalizaria nos fastos brasileiros e americanos, senão universais, como tendo representado na América colonial um papel de civilizador e de mecenas absolutamente único.Seria ele quem provocaria a vinda de MARC-GRAVE ao Brasil ao determinar que se faria acompanhar por uma missão artística e científica, fato inédito e inaudito nos anais da colonização européia.Saído de Texel a 25 de outubro de 1636, no "Zutphen", arribado em Portsmouth, onde recebeu de CARLOS I as mais carinhosas manifestações de apreço, chegou ao Recife a 23 de janeiro de 1637.