Escorço biográfico por Affonso de E. Taunay

Escrito por Taunay, Alfonso e publicado por Museu Paulista. Imprensa Oficial do Estado

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1907, obra de valor no conjunto da bibliografia lingüística americana.Da inspeção aos inéditos de MARCGRAVB resultou a ALFREDO DE CARVALHO material assaz avultado de que se valeu para outro estudo inserto na Revista do Instituto Arqueológico e Geográfico Pernambucano, número 72, de 1909 (p. 212-222), sob o título: Um naturalista do século XVII, George Markgraff (1610-1644). Apoiou-se sobretudo em LICHTENSTEIN e DRIESEN, o notável biógrafo de JOÃO MAURÍCIO DE NASSAU e trouxe ao público brasileiro preciosa contribuição realizada com a cons-ciência e a exação costumeiras, postas ao serviço de trabalhos, norteados, além de tudo, por uma inteligência lúcida e poderosa.A isto não se limitou ALFREDO DE CARVALHO. Ainda traduziu e publicou o Die Werke von Mar-cgrave und Piso de LICHTENSTEIN. Deixou-o em suas fichas no arcabouço da monumental Biblioteca Exótica Brasileira que planejara e não pôde executar. Fez a bibliografia completa quanto possível da obra até agora conhecida do sábio de Liebstadt.Sabem os conhecedores de nossas coisas que estes inéditos de ALFREDO DE CARVALHO foram em parte publicados pelo DR. EDUARDO TAVARES DE MELLO, seu amigo dedicado e homem de bela cultura.Determinando o DR. ESTACIO COIMBRA então governador de Pernambuco a impressão dos inéditos de ALFREDO DE CARVALHO, confiou-a ao DR. EDUARDO TAVARES que, poderosamente coadjuvado por seu amigo RODOLPHO GARCIA, editou três tomos da Biblioteca Exótica Brasileira e o volume tão curioso e interessante das Aventuras e aventureiros no Brasil. Pernambucano, filho dos barões de Alquerubim, titulares portugueses, formado em direito, magistrado durante algum tempo, diretor dedicado, em longa série de anos, da Biblioteca Pública de Recife, agente em Pernambuco do Arquivo Público Nacional, deputado federal pelo seu Estado, de 1918 a 1924, era o DR. EDUARDO TAVARES bela figura de intelectual. Infelizmente não permitiu a Morte que concluísse a longa e já adiantada tarefa. Faleceu no Rio de Janeiro a 23 de abril de 1930, aos 63 anos, pois nascera no Recife, a 10 de fevereiro de 1867.Cessou desde aí a impressão da Biblioteca Exótica Brasileira que findou na letra M. no verbete Mury.Quanto seria desejável que se ultimasse! As notas por vezes excelentes, e aos seus comentários interessantes e vivazes entremeia-se a contribuição de RODOLPHO GARCIA, repassada sempre da valia da probidade de quanto procede da pena deste mestre.Voltemos, porém, à bibliografia de MARCGRAVE, organizada por ALFREDO DE CARVALHO, após esta di-gressão provocada pela recordação da figura tão simpática de EDUARDO TAVARES DE MELLO.Historia natvuralis Brasiliae, auspício et bene-fio Illvtriis, J. Mavrittii Com. Nassav illis, pro-vinciae et maris svmmi profecti adornata. In qua non tantum plantae et animalia, sed et indigenarum morbi, ingenia et moris describuntur et iconibus supra quingentas illustrantur. - Lvgdvnum Bata-vorum apud Franciscum Hackium et Amstelodam, apud Lud. Elzevirium. - 1648.? IDEM - Tractatus Topographicus et Meteorologicus Brasiliae cum observatione Eclipsis Solaris. (Incluída na obra de Piso: - De Indiae utriusque re naturali et medica, Amsteloedami apud Ludovicum et Danielem Elzevirius, 1658, in-folio), IDEM - Teatrum rerum naturalium Brasiliae. - (Obra ainda hoje inédita, conservada naBiblioteca Real de Berlim).- IDEM - Oost-en West-Indische Warande, vervaltende aldaar de lee-en geneeskonst. Meteen verhael van de specerijen, boom-en aardgewassen, dieren etc. in Ooost-en West-Indien voorvallende. Door Jac. Bontius, Gul. Piso en Geo. Markgraf... Hier nevens is bijgev. de nieuwe verbeterde Chirur-gijus Scheepkist (door Joh. Verbrugge) - Amster-dã, J. ten Hoorn... 1694, in-8.°, 4 fls. n. nums. 304 pp. 4 fls. n. nums. 96 pp.(Tradução holandesa, da edição latina de 1658, com acréscimos).- IDEM - Ibidem, 1734, in-8.°. (Reimpressãoda precedente).- IDEM - Progymnasmata illa Astronomica Americana, (s. 1. n. d.).Deste último título discorda o DR. GUDGER. Atribue-lhe o seguinte: Progymnastica Mathemati-ca Americana. A tal propósito escreve RODOLPHO GARCIA:- "Talvez sua mais avultada contribuição (deMARCGRAVE) se tenha perdido, porque, segundo informações de contemporâneos, ele havia registadoo resultado das suas observações em uma grandeobra, sob o título - "Progymnasmata illa Astronomica Americana" - que devia compreender trêspartes ou livros: - a primeira versaria sobre Astronomia, com a descrição de todas as constelações austrais conhecidas, uma nova teoria sobre os planetas inferiores, principalmente Venus e Mercúrio,os eclipses do Sol e da Lua, a refração, as paralaxes,a obliqüidade da eclíptica, as manchas solares e outros fenômenos celestes; a segunda referir-se-ia àGeodésia e a Geografia, contendo um processo para determinar longitudes, e apontando os erros de geógrafos antigos e contemporâneos; e a terceira, finalmente, fundada nas duas outras, constaria dastábuas astronômicas, tendo por título - "Tabulae Mauritii Astronomicae".CAPÍTULO IIIMarcgrave na universidade de Rostock e em Stettin. - Lourenço de Eichstadt, - seus méritos e trabalhos. - a colaboração de Marcgrave. - estada na Holanda. - estudos na universidade de Ley-den com Vorstius e Golius. - projetos de viagem ao Brasil. - atuação da companhia das índias ocidentais. - a missão de João Maurício de Nassau no Brasil. - projetos grandiosos deste príncipe.Na Universidade de Rostock foi JORGE MARCGRAVE o discípulo predileto de SIMÃO PAULI (1603-1680), botânico de reputação européia professor de medicina e botânica a princípio em sua cidade natal (Rostock) e depois em Copenhague, onde Frederico III, seu grande admirador, lhe deu o cargo de primeiro médico da Corte e o bispado de Aarhusen.Autor de obras clássicas como a Quadripartitum botanicum e a Flora danica figura seu nome com destaque na história da botânica. Criou célebre e grande herbário na capital dinamarquesa e seus apelidos também se prendem à história da propagação do café na Europa Setentrional. DeixandoRostock passou MARCGRAVE a Stettin, onde no dizer de GUDGER e de JULIANO MOREIRA foi discípulo de LOURENÇO EICHSTADT "o mais considerado astrônomo daquele tempo".Eis uma asserção que não podemos subscrever de todo.Esqueceram-se os dois biógrafos, o norte-americano e o brasileiro, que naquela época vivia GALILEU, falecido em 1642. E além deste gigante, grandes as-trônomos do porte de GASSENDI (1592-1655), de HEVELLIUS (1611-1688).E noutra figura colossal, fora contemporânea desse mesmo LOURENÇO DE EICHADT, JOÃO KEPLER, falecido em 1631. Pobre

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EICHSTADT em confronto com KEPLER e GALILEU e mesmo com GASSENDI e HEVELIUS: Dois augustos e dois césares para um JOÃO FERNANDES !. Nascido em Stettin e aí falecido em 1660, era um desses médicos seiscentistas ao mesmo tempo preocupados com as questões de alquimia, astrologia e astronomia. Doutor pela Universidade de Wittenberg, possuía para a época notável erudição.Deixou diversas obras no tempo muito louvadas. Imprimiu na Alemanha e na Holanda muitos livros de que citam as enciclopédias como os principais De theriaca et mithridatio (1624), De confe-ctione alchermes medica exercitatio (1634), De die-bus critis (1639), todas as três publicadas em Stettin, De causis utilitatis medicinae et matheseos (1647) ,Collegium anatomicum (1649), De campho-ra (1650), estas últimas impressas em Gouda.É curioso que os redatores dos artigos biográficos de LOURENÇO DE EICHSTADT, nos diversos dicionários enciclopédicos não mencionem as obras sobre astronomia que lhe deram considerável prestígio no século XVII.Recorrendo à Bibliographie Astronomique de HOUZEAU e LANCASTER, obra de notável erudição, impressa em Bruxelas em 1887, encontramos alguns verbetes consagrados a EICHSTADT. Assim ficamos sabendo que o mestre de MARCGRAVE publicou em 1622 e em Stettin uma obra bilingüe de astrologia: Prognosticou de conjunctione magna Saturni et Jovis in trigono igneo Leonis circa annum aerae cristianae 1623, oder Discurs von der grossen Zusam-mem Kunft des Saturn mit dem Jupiter. Trinta e dois anos mais tarde imprimia em Dantizg a Disputatio de eclipsibus luminarium (1654).No ano seguinte publicava, segundo a bibliografia de STRUVE outra obra de astrologia De eclip-sium luminarium effectibus et signi pactionibus. Na obra monumental de ALEXANDRE G. PINGRÉ (1711-1796) Annales célestes du dixseptième siècle, de que há publicação póstuma por M. G. BIGOURDAN, do Observatório de Paris, em 1901, encontram-se várias referências e observações de EICHSTADT OUElCHSTADIUS.Assim acompanhou em Stettin o eclipse lunar de 3 de março de 1635, o eclipse solar de primeiro de junho de 1639, o lunar de 7 de outubro de 1642, que seu discípulo observaria de Antônio Vaz, o solar de 20 de agosto de 1645; em Dantzig o solar de 7 de abril de '1652. A 26 de janeiro de 1656, sempre em Dantzig, servia de auxiliar a HEVELIUS, para a observação do eclipse solar.Assistente de EICHSTADT ocupou-se MARCGRAVE com o maior zelo na confecção de certas efemérides astronômicas que seu mestre preparava, conta-nos GUDGER, a encampar um relato de MANGET. Tão satisfeito ficou o médico-astrólogo-astrônomo que no prefácio de sua obra, publicada em 1644, fez referências muito lisongeiras ao talentoso discípulo.Deve este livro ter sido a Ephemeridum motuum coelestium ab 1636 ad 1665 usque (partes I-III) publicada em Stettin e em Dantzig de 1634 a 1644, como nos indica a obra monumental Librorum in Bibliotheca Speculae Pulcoviensis contentorum Ca-talogus Sytematicus publicada por OTTO STRUVE, diretor do Observatório de Pulkowa e publicada em São Petersburgo em 1860. A ela não recorreram GUDGER e JULIANO MOREIRA, OU mais provavelmente hajam estes elogios aparecido em outra obra de EICHSTADT publicada em 1644 (Stettin in fol).Tabulae harmonicae coelestium motuum tum prímorum tum secundorum innixae observationibus Tychonis, tábuas solares e lunares de 1400 a 1800 de que nos fala a bibliografia de HOUZEAU e LANCASTER.Relata PINGRÉ um fiasco póstumo do mestre de MARCGRAVE; anunciara para 26 de julho de 1665 um eclipse lunar, quando apenas ocorreu forte penumbra. Em compensação nos informa que em 1658 as suas observações sobre Vênus estavam perfeitas como verificaram mais tarde BRADLEY e FLAMSTEED. Assim também louva a sua observação de 13 de junhode 1639 da P do Escorpião eclipsada por Júpiter. Verdade é que BOULLIAU a 22 de dezembro de 1637, observando Vênus, em Paris, encontrou uma divergência séria entre as Efemérides de EICHSTADT e as de ARGOLI e as observações próprias.Seja como for teve EICHSTADT bastante projeção nos fastos astronômicos embora não mereça os enormes elogios que GUDGER e JULIANO MOREIRA lhe atribuem. E uma de suas grandes glórias é de haver sido o principal mestre do sábio de Liebstadt.Tendo viajado pelo Norte da Alemanha e na Dinamarca e vendo seu país campo de terríveis batalhas entre suecos, alemães, polacos, austríacos, espanhóis, franceses, achou MARCGRAVE mais acertado passar à Holanda.Assim se estabeleceu em Leyden onde, conta-nos MOREIRA, a 11 de setembro de 1636 se inscreveu como estudante de medicina e onde permaneceu dois anos. Trabalhou exageradamente. Os dias passava-os no Jardim Botânico, ou a herborizar pelos prados. As noites ocupava-as em inspecionar o fir-mamento no Observatório da Universidade. Tomou aí lições com dois cientistas de renome o botânico ADOLPHO VORSTIUS e o astrônomo JACOB GOLIUS.O primeiro, de seu nome batavo VORST (1597-1663), médico reputado doutor pela Universidade de Pádua, primeiro médico do Príncipe de Orange, era filho de Aelius Everardo Vorst (1565-1624), professor da Universidade de Leyden e diretor do, Jardim Botânico da mesma instituição. Sucedera ao pai tanto na cátedra como na direção do Jardim de Plantas. Quando MARCGRAVE O conheceu já publicara uma muito apreciada edição dos Aphorismas de Hip- pocrates, que ainda no século XIX era procurada, e principiara a publicação do Catalogus plantorum horti academici Lugduno Batavi, que imprimiu de1636 a 1649. Quanto a GOLIUS, a reputação que deixou é so-Ibretudo a de grande orientalista. Seu verdadeiro nome, não latinizado, era GOLIS. Nascido em 1596, faleceu em 1667- Tendo estudado árabe com EXPE-NIUS; esteve em Marrocos, de 1622 a 1624 com um embaixador holandês e, voltando, foi nomeado professor de árabe em Leyden. Partiu mais tarde para o Oriente de onde voltou cheio de manuscritos preciosos, deixando, por toda a parte onde passou, prestigioso nome entre os maometanos. "Manteve assídua correspondência com algumas das maiores celebridades de seu tempo, entre outras com DESCARTES e GASSENDI. ERA homem de enorme erudição, versado em filosofia, teologia, medicina e matemática.Além do árabe, que conhecia maravilhosamente, sabia bem o persa, o turco, e entendia bastante de chinês.O seu Lexicon arabicum latinum e o seu Dicionário são obras clássicas do orientalismo.Professor de matemática em Leyden, tinha excelente fama e publicou suas observações astronômicas além da Alfragani Elementa Astronômica, crítica às Tábulas astronômicas de Ptolomeu e o Livro dos movimentos celestes e da ciência das estrêIas do famoso astrônomo árabe ALPERGANNY (MO-hammed ben Ketir, nascido em Farab na Sogdia-na no século VIII e falecido pelas vizinhanças de 820 de nossa era). Coisas portanto ainda da influência orientalista.Cita PINGRÉ algumas observações de GOLIUS como sejam as de Leyden em 1635 sobre os eclipses lunares de 3 de março, 27 de agosto, e 20 de dezembro de 1638 e 14 de abril de 1642. Como astrônomo era contudo muito menos reputado do que EICHSTADT.Chegara MARCGRAVE aos vinte e oito anos, em 1638, a gozar da plenitude das forças físicas e intelectuais. Aproveitara imenso as lições de seus numerosos professores e sobretudo com o contacto de PAULLI, EICHSTADT, VORSTIUS e GOLIUS.Conseguira o melhor daquilo que a Europa contemporânea lhe podia dar mas não estava contente