Escorço biográfico por Affonso de E. Taunay

Escrito por Taunay, Alfonso e publicado por Museu Paulista. Imprensa Oficial do Estado

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dência Liebstadt provavelmente visava apenas in- lugar do nascimento do sábio.Como a sua obra haja sido de publicação póstuma não sabemos o que deduzir a tal respeito das informações da sua folha de rosto.Nasceu JORGE MARCGRAVE na cidade de Liebstadt na Alta Saxônia, na Mísnia ou em alemão Meis-sen, um dos cinco círculos que compunham o território do reino da Saxônia, entre o de Leipzig e o das montanhas do Erz.Era a mais importante circunscrição saxônica pois nela se incluía a capital do Eleitor, Dresden, tendo como cidades principais Meissen, Pirna, Pil-nitz e Schauden. No tempo de MARCGRAVE a Mísnia era muito maior do que depois veio a ser.Ainda no século XVIII compreendia quase toda a Saxônia real, da época de Napoleão e do Congresso de Viena, e ainda alguns distritos da Saxônia prussiana.Há duas Liebstadt na Alemanha: uma na Prússia Oriental, no distrito de Koenigsberg, com 2.500 habitantes e outra na Saxônia a 12 kms. de Pirna, círculo de Dresden, portanto a 30 kms. da capital do reino dos Wettin, apenas.É cidade desde 1492 e um único monumento digno de nota nela existe, o velho castelo de Kukuks-tein (rochedo do cuco). Na sua vizinhança vêm-se grandes caieiras. A indústria local consiste sobretudo em trançados de vime, conta o Meyer's Konver-sations Lexicon de 1896 a dizer que em 1890 era sua população sobremodo exígua, 849 almas apenas. Lugar de reformados, só contava, então, onze católicos. Ao tempo de MARCGRAVE, na Alemanha devastada pela Guerra dos Trinta Anos, devia a população ser ainda muito menor e provavelmente só de luteranos.Ao nome de MARCGRAVE atribuem os autores grande número de grafias segundo nota GUDGER;Markgrave, Marggrave, Margrave, Markgraf, Marg-graf, Marcgraf.Mas a que deve naturalmente predominar é a da própria assinatura do sábio de Liebstadt que sempre assim se assinou: MARCGRAVE, afirma GUDGER, categórico.Veremos, porém, que aparece a forma Markgraf na carta curiosíssima, em português que STOKVIS descobriu e deu a conhecer a JULIANO MOREIRA.Recebeu JORGE aprimorada educação, graças ao desvelo do pai e do avô materno como nos in-culca o biógrafo anônimo da coletânea de MANGET.Não só lhe ensinaram as humanidades clássicas como trataram de lhe desenvolver a notável aptidão para a pintura e a música. Percebiam ambos que se tratava de rapazinho de belo caráter, grande cri-tério e notável futuro. E como entendessem, e com toda a razão, que há imensa sabedoria no prolóquio de que "lugar pequeno não dá grande homem", trataram de o impelir a que se fixasse nalgum centro universitário. Obedeciam ao preceito de LEONARDO DA VINCI, escreve JULIANO MOREIRA: naturalmente gli uomini buoni desiderano sapere". Deixou o adolescente pois, aos dezessete anos de idade, a companhia dos tão desvelados e bem inspirados mentores. Só passados onze anos volveria a ver a cidadezinha natal.Conta-nos GUDGER que durante este largo lapso freqüentou as aulas de dez universidades e academias, seguindo os cursos de medicina, química e botânica em Strasburgo, Basiléia, Leipzig, Erfurt, Rostock, Wittenberg, Ingolstadt, Altdorf e Greifs-wald, além de uma outra cujo nome esqueceu de relacionar.Assim vemos que perambulou bastante na sua peregrinação universitária, pela Alsácia, Suíça, Saxônia, Baviera e Prússia.C A PÍ T U L O I IAinda os biógrafos estrangeiros de marcgrave. - lichtenstein,revelador da sua extraordinária figura - bibliografia de marcgarve por alfredo de carvalho - comentários de Rodolpho Garcia. - dúvidas de Gudger.

Não contou MARCGRAVE, durante largo lapso, mais que sesquisecular, biografia à altura da valia de sua obra.Durante cento e setenta anos permaneceu pois o nome do sábio de Liebstadt rodeado por quase completo olvido.Quem primeiro sobre o seu extraordinário valor chamou a atenção dos meios científicos, de modo a se fazer ouvir realmente nos grandes meios científicos foi o grande zoólogo e viajante alemão MAR-TINHO HENRIQUE CARLOS LICHTENSTEIN (1780-1857), de imorredouros apelidos nos fastos das Ciências Naturais.Revelou este sábio ao Mundo, por assim dizer, o que representa a contribuição marcgraviana ao escrever a sua Die Werke von Marcgrave und Piso uber die Naturgeschichte Brasiliens erlautert aus dem wieder aufgefunden originalzeichnungen, seqüência de ensaios publicados, de 1814 a 1821, em diversos números da série preciosa dos Abhandlun-gen der Königlichen Akademie der Wissenschaften in Berlin. A LICHTENSTEIN deve-se a ressurreição da grande figura do sábio de Liebstadt. Causaram as suas comunicações e a sua análise dos inéditos de MARCGRAVE, tão extraordinária impressão, nos meios zoológicos, frisa o douto RODOLPHO GARCIA, mestre dos mestres de nossa história - que CUVIER ao escrever a sua monumental Histoire Naturelle des Poissons mandou a Berlim o seu célebre colaborador VALENCIENNES, afim de consultar o acervo revelado por LICHTENSTEIN, O Theatrum rerum natura-lium Brasiliae, o espólio até hoje inexplicável einfelizmente inédito do pioneiro das ciências no Novo Mundo.Desta viagem provieram magníficos resultados, escusado é lembrá-lo.Foi ainda através de LICHTENSTEIN que um dos mais notáveis sabedores de nossas coisas, o in-fatigável brasilólogo, um dos mais famosos de todos os tempos, ALFREDO FERREIRA DE CARVALHO, tomou conhecimento dos tesouros conservados em Berlim. reliquat do acervo do malogrado cientista saxão, desaparecido em Angola, no ano de 1644.Na sua paixão insaciável pelo inventariamen-to e a divulgação de nossa xeno-bibliografia, atirou-se o ilustre pernambucano, com verdadeira sofre-guidão, ao exame do reliquat marcgraviano. Em 1905 revistou, com a maior atenção, a opulenta iconografia denunciada por LICHTENSTEIN. Dela trasladou uma relação de nada menos de 792 nomes in-contestavelmente pertencentes ao tupi, relativos a animais, vertebrados e invertebrados, e a plantas."Com esta cópia, pela letra magnífica do saudoso confrade, escreve RODOLPHO GARCIA, em sua tão justamente estimada monografia sobre as explorações científicas no Brasil, obsequiou-nos para que identificássemos e interpretássemos os mesmos nomes. Bem difícil era a tarefa que nos cometia; mas, ainda assim a empreendemos com a sua colaboração e conselho. Depois a adversidade separou-nos, tivemos de abandonar Pernambuco, onde pouco tempo depois veio a falecer o amigo querido".Valeu-se ALFREDO DE CARVALHO dos adminí-culos preciosos de GARCIA para a sua memória: O tupi na corografia pernambucana, publicada em