Escorço biográfico por Affonso de E. Taunay

Escrito por Taunay, Alfonso e publicado por Museu Paulista. Imprensa Oficial do Estado

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que em terras do Novo Mundo fez ciência digna deste nome.Faz GUDGER ressaltar quanto ê escasso o material documentário sobre o qual se deve construir a biografia de MARCGRAVE. Além de exíguo largamente espalhado e oculto em fontes pouco conhecidas.Assim, refere que gastou o ano de 1911 em reunir estes elementos esparsos. Lealmente, declara que muito menos teria conseguido se não houvesse sido valorosamente auxiliado pelo esforço e a boa vontade de numerosos bibliotecários. A maioria das obras de sua excelente bibliografia conseguiu consultá-la mercê do extremo serviçalismo dos srs. Herbert Putnan, bibliotecário e W. Bishop, superintendente da sala de leitura da Biblioteca do Congresso, em Washington.Em matéria bibliográfica muito deveu aos senhores Harry Clemons, conservador da Biblioteca da Universidade de Princeton, H. B. Meyer, bibliógrafo-chefe da Biblioteca do Congresso e H. M. Lydenberg, conservador da Biblioteca Pública de Nova York. Tomou este último extraordinário interesse pelo seu trabalho, fornecendo dados e citações que, sem a sua gentileza, lhe ficariam ignorados.Igualmente, muito o penhorou a atitude do dr. PERLBACH, da Biblioteca Real de Berlim, proporcionando-lhe fotografias dos desenhos originais de objetos brasileiros, citações e cópias de artigos não existentes nas bibliotecas da América. Para a tradução do grande número das citações latinas de que lançou mão foi auxiliado pelas suas colegas, senhoritas Boddie e Dameron, da cadeira de latim da Escola Normal de Greensboro.A extensão destes agradecimentos nos revela quanto é GUDGER um pesquisador honesto e leal respeitador do suum cuique. Não fora MANGET haver recolhido as valiosas e assaz vultosas notas biográficas anônimas sobre MARCGRAVE, que incorporou à sua Bibliotheca Scrip-torum Medicorum (vol. II, pág. 262) muito pouco teríamos vindo a saber dos primeiros anos e dos estudos do grande naturalista.Quem haja sido este autor anônimo é problema que GUDGER procurou debalde resolver, auxiliado pelo sr. H. M. Lyndenberg.Notou que o autor da notícia, que revela clara-mente ter sido amigo pessoal de MARCGRAVE e contemporâneo dos principais membros da expedição do Conde Maurício ao Brasil, não pode ter sido o próprio MANGET, nascido em 1652 tendo MARCGRAVE falecido em 1644.Assim, em face de um caso clássico, embora lamentável, do velhíssimo dormientibus non succurrit jus resolveu GUDGER citar as palavras do anônimo como da própria autoria de MANGET.MANGET (JOÃO THIAGO), médico e sábio suíço, nascido em Genebra em 1652 e falecido em 1742, infatigável trabalhador, aprendeu medicina por si, revelando extraordinária pertinácia e inteligência. Havendo se doutorado já não muito moço em Valen-ça, e em 1678, foi nomeado primeiro médico hono-rário do eleitor de Brandenburgo em 1699.Tornou-se conhecido de toda a Europa culta pelas magníficas compilações científicas que realizou, prestando assinalados serviços ao avanço dos estudos médicos. Além de reeditar obras então clássicas de BARBETTE, PIERS, SCHMITTZ e BONNET reuniu uma Bibliotheca Chimica curiosa datada de 1702 (2 vols. inf.) e na Bibliotheca scriptorum medicorum vetorum recentiam datada de 1733 (4 vols. in f.) grande número de tratados sobre medicina, anatomia, cirurgia, farmacologia, química e alquimia, que em seu tempo já eram raros e por vezes inacessíveis ao público.A primeira destas compilações constitui verdadeira enciclopédia da alquimia de seu tempo.De sua obra ainda existem o Theatrum anato-micum e o Tratado da peste (1716-1721).Verdadeiro tipo do médico seiscentista, laborioso, honrado, infatigável investigador era muito bom teórico, escreve seu biógrafo espanhol da Enciclopédia universal ilustrada europeo-americana. Não fora, repetimo-lo, o cuidado de MANGET em acolher em sua Bibliotheca Scriptorum a pequena memória anônima com as informações sobre a biografia de MARCGRAVE seriam elas incomparavelmente mais escassas.Depois que JULIANO MOREIRA divulgou a existência dum irmão de MARCGRAVE, homem aliás de alto valor científico, para a sua época, quer nos parecer que o caso do esclarecimento da autoria da biografia anônima da coletânea de MANGET, passou para o terreno das possibilidades senão das probabilidades.Tantos são os pormenores contidos neste escrito sobre a família e os primeiros anos do sábio de Liebstadt que ao nosso ver provém da pena desse irmão de MARCGRAVE, O dr. CHRISTIANO MARCGRAVE, cuja existência parece haver GUDGER ignorado, aliás.Esta circunstância se tornou tanto mais plausível quanto MANGET também a incorporou à sua coletânea obras de CHRISTIANO MARCGRAVE.Quanto ao retrato do autor da História Natural do Brasil, procurou-o GUDGER com o maior afinco. Em nenhuma das obras enumeradas na sua bibliografia existe semelhante efígie ou quaisquer referências a ela. Teve o sr. Lyndenberg, a pedido do cientista de Greensboro, a amabilidade de percorrer o extenso catálogo de retratos pertencentes à Biblioteca Pública de Nova York, e ainda várias outras listas (como uma com as efígies de trinta mil alemães), sem que encontrasse o desejado fácies. Parece provável que não existe retrato algum de MARCGRAVE.É bem possível, aventamos nós, que em algumas das pinturas e desenhos de Franz Post e A. Eeckhout se ache tal efígie. Mas, como identificá-la?Nenhum dos biógrafos de MARCGRAVE cita os nomes de seus pais. GUDGER é a este respeito completamente omisso. Apenas nos conta que JORGE MARCGRAVE, nascido a 10 de setembro de 1610, em Liebstadt, provinha de boa família ali fixada, havia duzentos anos. Acrescenta que seu pai e seu avô materno eram, para a época, homens bem educados, versados em teologia, latim e grego.Nada também adianta para este particular o estudo de ALFREDO DE CARVALHO. Nenhum destes dois autores se refere à existência de qualquer membro da irmandade do sábio de Liebstadt.Foi MOREIRA quem ao Brasil revelou a existência do irmão do naturalista, DOUTOR CHRISTIANO MARCGRAVE, a quem chama notável médico, homem de renome graças às suas experiências de química aplicada à fisiologia e à terapêutica e cuja Opera médica, publicada em 1715, e em Amsterdã, por Francisco van der Plaats, foi incorporada por MANGET à sua Bibliotheca Scriptorum Medicorum. O articulista da Enciclopédia Universal Ilustra-, da europeo-americana de Hijos de J. Esposa, biógrafo de JORGE MARCGRAVE parece desconhecer o parentesco entre este CHRISTIANO de que dá pequena notícia biográfica e o naturalista do Novo Mundo.Assim diz:Mais que provavelmente pertencia à família de MARCGRAVE seu homônimo CHRISTIANO, médico e químico (1612-1687) também filho de Liebstadt, cientista que estudou especialmente a química aplicada à fisiologia e à terapêutica. Pretendeu explicar todas as funções orgânicas pelas leis químicas e suas obras, mau grado as puerilidades que encerra e a aridez de muitas de suas páginas, são apesar de tudo interessantes, afirma um de seus biógrafos. De sua co-piosa produção citemos: Prodromus medicinae pra-ticae, dogmaticae et vere rationalis, superstructurae circulari sanguinis motui necnon principis chymicis, ac hypothese Helmontiana et sylviana (Leyden 1672) e Materia médica contracta, exhibens simpli-cia etc. composta medicamente ex magno numero se-lecta, etc. (Leyden 1674).O articulista anônimo da Cyclopédia de Rees falando da família de MARCGRAVE exprime que ela devia ser modesta. Relata de um autor a nós desconhecido, de nome HALLER, que a adição da proce-