História natural do Brasil.

Escrito por Marcgrave, Jorge e publicado por Museu paulista. Imprensa Oficial do Estado

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que estas raspas tenham perdido toda a umidade. Este suco chama-se Manipoera pelos indígenas e Agoa de Mandioca pelos portugueses. Depois de exprimida essa raspagem é lançada a um crivo chamado Urupema, pelos indígenas e Ioeira pelos portugueses. Depois de joeirada, é lançada essa raspagem a um vaso redondo, largo, raso, feito de argila ou cobre, que é colocado num defumador como uma caldeira; lança-se fogo por baixo e agita-se com uma pá até que fique seco o conteúdo. Chama-se este vaso, em que se seca a farinha Vimovipaba, na linguagem indígena e Forno de Farinha, em português. A pá é chamada pelos indígenas, Vipucuitaba. Esta farinha, enquanto está ainda um tanto mole chama-se Vitinga, na linguagem dos indígenas; Farina relada, em português. Quando está mais seca, é chamada pelos indígenas, Viecacoatinga; quando está totalmente seca, que possa ser conservada, é chamada Viata e Vicica; os portugueses a denominam farinha seca, farinha de guerra a qual pode ser conservada por um ano, se for guardada em lugar seco, longe da água. A viecacatinga pode durar apenas meio ano; a vitinga apenas dois anos; essas espécies de farinhas são usadas, em lugar do pão. A farinha seca misturada com um caldo qualquer é comida com outros alimentos, com carne ou peixe; da farinha seca preparam uma espécie de bolo, formando dela e da água simples uma massa, que depois é cozida sobre brasas, recebendo o nome de Bejû. O suco da mandioca esprimida é deixada num vaso e, no espaço de duas horas, produz-se no fundo uma fécula alvíssima, chamada pelos indígenas, Tipioja, Tipiaca e Tipiabica. Esta matéria, ficando seca, produz uma farinha alvíssima, chamada Tipiocui, com a qual fabricam bolos longos e finos chamados, Tipiacica que suprem o melhor pão de flor de farinha. Este mesmo suco, cozido até à consistência de papa serve para se comer; esta mesma papa é empregada em vez de amido, para engomar roupas e colar papéis. Também deste polme com mescla de arroz e açúcar fabricam os portugueses, uma conserva denominada marmelada de mandioca; o suco da Mandioja ou Manipoera é de sabor adocicado, e por isso é apetecido pelos animais, os quais morrem logo, que o engolem; é um suco mortal para os homens e brutos.Neste suco conservado, um ou outro dia, aparece vermes chamados Tapuru, pelos indígenas; estes vermes são também venenosos. Para uso dos homens também se prepara a mandioca de um outro modo, a saber: a mandioca bem limpa do supradito modo, é dividida em partes, em forma de uma pequena língua, medindo dois dedos de comprido e meio de largo. Estas partes são expostas ao sol para secar (não se extrai o suco); tornam-se então alvíssimas de sorte que podem servir de giz para se escrever; em seguida são reduzidas a pó, num almofariz de madeira (os indígenas o denominam Anqua e Umbuâ, os portugueses pilaon de pau ) por meio de um socador de madeira; este, porém, se chama Tipiratî ou farinha de mandioca crua como dizem os portugueses; com esta farinha prepara-se um pão delicadíssimo, alvíssimo, que rivaliza com o pão de ótimo trigo. Prepara-se também um biscoito ótimo denominado pelos indígenas Miapeatâ, que é usado, nas expedições, e pode ser conservado longo tempo.A mandioca crua inteira ou socada lançada n'água e conservada assim três, quatro ou cinco dias para se tornar mole, chama-se Mandiopuba ou Maniopuba e come-se assada na cinza. Os fugitivos e os que vagam pelos bosques usam da mandioca assim preparada, porque é um meio mais fácil; a mesma mandiopuba, secada ao fogo, pode ser conservada para o uso; chama-se então C aarimâ que pode ser reduzida a pó sendo socada num almofariz de madeira, recebendo o nome de caarimaciu este pó que é finíssimo e alvíssimo. Este pó lançado em água fervendo produz um polme denominado Mingau pelos indígenas; deve-se porém, agitar o líquido para que se torne ralo e sem caroços; é de sabor agradável e se come só ou com mistura de pimenta inteira ou socada, chamada pelos indígenas, Quiya; também se pode misturá-lo com ervas, lagostins, peixe ou carne cozida; chama-se então Minguipitinga. Serve também de amido ou glúten, em lugar da farinha de caarima, se for reduzido a estado de polme, sendo denominado Mingaupomonga. Desta mesma farinha, misturada com água, manteiga e açúcar, fabricam-se uns bolos delicados, que se comem quentes.Da mandiopuba também se fabrica uma farinha mole e um tanto seca, como se fosse miolo de pão de trigo fresco, a que os indígenas dão nome de Vipuba e Viabiruru e os portugueses Farinha fresca e Farinha d'ágoa. A farinha é agradável para se comer, mas não dura mais de um dia, por isso é fabricada todos os dias. Formam também com as mãos umas bolas de vipubam e as secam ao calor do sol, recebendo então o nome de Viapuâ e Miapeteca; assim podem ser conservadas muito tempo; os tapuias geralmente fazem esta preparação e os demais indígenas ainda a misturam com viatâ para que se torne mais agradável. A mandioca também crua e limpa é dividida em pequenas partes, socada com um instrumento de madeira, espremida com as mãos e depois secada; esta preparação recebe o nome de Tina e Mixacuruba, Mas todas as espécies de mandioca crua são mortais para os homens, exceto a Aipimacaxera, que ainda nova e assada ao calor do fogo ou debaixo das cinzas, pode ser comida e é de agradável sabor. Mas todos os animais devoram todas as espécies de mandioca crua, sem detrimento; ela nutre e faz engordar; o suco, porém, delas tomado separadamente é mortífero para eles e para os homens. Da raiz da aipimacaxera, socada e cozida, prepara-se uma bebida alvacenta como leite desnatado; é de agradável sabor, um pouco ácida; é servida morna; tem o nome de Cavimacaxera.