Relação da Viagem de Rouloux Baro ao País dos Tapuias

Escrito por Moreau, Pierre; Baro, Rouloux e publicado por Ed. Itatiaia. Ed. Universidade de São Paulo

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A 19, parti da aldeia para alcançar os tapuias, que iam adiante, carregados de milho e de ratos, os quais, na minha presença, furaram o lábio inferior e as orelhas de uma pequena criança e colocaram cavilhas de madeira nos furos. Esta é uma espécie de batismo entre eles; nesta ocasião, dão nome à criança e depois põem-se a dançar.Foi-nos preciso acampar neste lugar no dia seguinte, pois Janduí estava cansado; o Diabo tinha-lhe aparecido durante a noite, o que logo se tornou conhecido de todo o aquartelamento; imediatamente, todos os fogos foram extintos. O ancião nada mais soube do Diabo senão que uma das suas crianças que estava muito doente se curaria.Correu-se a árvore no dia seguinte, e no outro visitamos as roças, nas quais o milho e o fumo ainda não estavam maduros. Entretanto, morreu a criança cuja cura o Diabo tinha assegurado. Os tapuias zangaram-se e o expulsaram; mas ele deixou-se ficar, fingindo estar extremamente compungido com a morte da criança, cuja cabeça os tapuias cortaram e cujo corpo retalharam, pondo-o a cozinhar numa panela. Em seguida, os parentes mais próximos vieram à festa e comeram tudo, inclusive os tenros ossos. E quando nada mais restou, puseram-se todos a lamentar-se, gritando e batendo com os braços. Eis as cerimônias que observaram nessa ocasião.A 23, tendo marchado até o anoitecer, um ancião apresentou aos tapuias os ossos de diversos parentes seus, falecidos, que carregava há muito tempo. As mulheres os depilaram e cortaram bem miúdo os cabelos, que estavam ainda aderidos às cabeças; despejaram mel silvestre em cima e comeram tudo com tapioca. Perguntei porque os homens não tomavam parte naquela festa e disseram-me que a mesma não lhes competia. Quando tudo foi engolido puseram-se a gritar e a chorar, caminhando até que chegaram a um lugar em que nenhum dos seus parentes tivesse morrido.A 24, os que tinham ido visitar suas roças de milho voltaram trazendo grandes espigas maduras. Janduí disse-me: " "Meu filho, quando chegarem os soldados aos quais escreveste para virem, terão o que comer!' Respondi-lhe não acreditar que viessem antes de eu estar com os Nobres Poderosos; e antes de fazê-los vir, era preciso saber se o que tinham contado dos seus inimigos era verdadeiro.Na manhã de 25 chegamos ao morro Matiapoa, na nascente do rio Vvuvvug, enquanto repousávamos, os tapuias foram cortar e transportar as cabaças, abóboras, ervilhas e favas dos brasilianos que ali moravam.A 26, fomos às roças de Janduí, onde se encontrou grande quantidade de milho pronto a ser colhido; ele deu permissão a todos para apanhá-lo e guardá-lo, reservando uma parte para os soldados que iriam chegar em seu socorro.Desde o romper da manhã seguinte puseram-se todos a colher o milho e, enquanto procediam à colheita aqueles a quem tinham roubado as abóboras e as favas vieram reclamá-las; foram-lhes devolvidas, mas avaramente. À tarde chegou o principal Vvanjupu, tão cansado que não podia mais suster-se, tendo deixado sua gente para trás.A 28, os tapuias aplainaram um lugar para dançar;e estando o povo reunido, Vvanjupu contou que Paiucu se tinha posto em campo contra Janduí, tendo levantado soldados de todos os lados. Janduí respondeu que haveria de castigá-lo se tentasse fazer-lhe guerra, e logo mandou vir todos os feiticeiros e adivinhos e ordenou-lhes que se preparassem para invocar o Diabo, a fim de que este lhes anunciasse algo de bom. Os feiticeiros retiraram-se para o mato e Janduí foi com eles; após uma demora de duas horas, retornou tão assustado que não podia falar. Afinal, depois de ter descansado, disse-nos com a voz embargada: " "Que podemos esperar, se não pude obter resposta e o espírito e os feiticeiros mandaram-me aguardar até amanhã?"