Relação da Viagem de Rouloux Baro ao País dos Tapuias

Escrito por Moreau, Pierre; Baro, Rouloux e publicado por Ed. Itatiaia. Ed. Universidade de São Paulo

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Repliquei-lhe que aquilo com que eu lhe presenteava tinha vindo recentemente da Holanda e que nós nada possuímos de melhor; que era preciso que ele não se deixasse levar pelo que lhe diziam os portugueses, porque não eram nossos amigos." "Não, não, disse ele, eu bem vejo que os machados que me deram são mais bonitos e de melhor tempera do que os vossos; não faço caso, porém, dos presentes deles, porque sei muito bem que são uns impostores". Não deixava de aceitar o que os Nobres Poderosos meus senhores lhe enviavam, na esperança de que, no futuro, lhe seriam enviados objetos mais belos e melhores.Depois, tendo ordenado a seus homens que guardassem o que eu lhe oferecera, levou-me alegremente para jantar com ele. Terminada a refeição, mandou reunir os rapazes, que lutaram uns com os outros na areia, e disse-me que assim se fazia para dar-me as boas vindas. No dia seguinte, carregariam a árvore, coisa que ainda não haviam feito durante o ano, porque ele esperava a minha vinda, e daí em diante faria continuar este exercício até o dia de seu aniversário. Agradeci ao rei e aos seus acompanhantes pela honra que me dispensavam. Veio a noite, que passamos estendidos na areia, debaixo da chuva.Ao nascer o sol, o ancião ordenou às mulheres que fizessem farinha e aos homens que fossem à caça de ratos e voltassem logo após o meio-dia, a fim de correr a árvore. Obedeceram e, entrementes, dois tapuias trouxeram sobre suas espáduas dois troncos de árvores de corravearas, de mais de vinte pés de comprimento. Tiraram-lhe a casca na chama do fogo e poliram a madeira toda em volta, sem deixar nenhum nó. E quando todo o povo regressou, cada qual pintou o corpo de diversas cores. Isto feito, aqueles que tinham apanhado ratos soltaram-nos na planície, depois parte deles carregou prontamente aqueles troncos, correndo com uma velocidade inigualável atrás dos ratos; quando um deles parecia cansado, outro o substituía sem retardar a corrida, que durou mais de uma hora. Depois de terminada, cada um que voltava contava como e de que modo perseguira, ferira e matara os ratos. O ancião Janduí correra com eles e era coisa maravilhosa ver-se um homem de mais de cem anos (segundo a opinião dos seus, de mais de cento e sessenta) correr com tanta destreza. Isto causou tal admiração a João Straffi, um dos que eu trouxera comigo do Rio Grande, que ele acreditou tratar-se antes de um demônio que de um homem.Janduí, de volta, dirigiu-me estas palavras: "Que dizes, meu filho" Este jogo não te parece divertido"" Respondi-lhe que sim e que me comprazia vê-lo tão robusto e desembaraçado. Pôs-se a rir e perguntou-me porque não lhe trouxera fumo, e se não sabia que o que plantara se perdera por causa das chuvas, com uma boa parte do seu milho.Respondi-lhe que seu filho Muroti pudera ver como a enchente tinha arruinado minhas roças; de outra forma, eu lhe teria trazido fumo e milho em abundância. O que existisse no tempo da colheita estaria a seu dispor e ao dos seus, contanto que não enviasse homens armados para pedir esses víveres, pois os que vinham de sua parte à Capitania do Rio Grande não se contentavam com o que se lhes dava de boa mente, mas queriam tudo carregar, com ameaças de morte, dizendo um deles: "Eu sou o Capitão fulano", outro, que era filho de Janduí; um terceiro, que era senhor de tal lugar, e assim por diante, e com essas palavras levavam os trastes e o gado dos moradores." "Eis uma bela conversa", comentou Janduí. Meus homens sempre se contentaram com algumas ferramentas que puderam apanhar e não era preciso fazer tanto barulho por um pouco de carne que tivessem levado e comido. Quando Jacó Rabbi vivia, juntava-se aos seus tapuias, com os quais descia à minha Capitania do Rio Grande e aí dizendo a este e àquele: "Dá-me um animal para minha gente, porque de outro modo eu mesmo o mandarei matar.

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