História dos feitos praticados no Brasil, durante oito anos sob o governo do ilustríssimo Conde João Maurício de Nassau.

Escrito por Barleus, Gaspar e publicado por Fundação de Cultura do Recife

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Em que diferem os mercadores holandeses dos gregos e romanos - Em que diferem dos germanos os gauleses. Porque aqui o mercador participa do governo.

aquele com o dinheiro, este com as armas. De fato, não se abriu sem armas a via para o comércio livre, nem se pode defender este sem o valor militar. Diferimos dos gregos e dos romanos nisto: aqueles dirigiram para a glória os seus principais esforços, e estes para a utilidade; em nós se reúne o desejo da celebridade e o do proveito. Somos cúpidos onde o inimigo é rico; inofensivos, onde é pobre; vitoriosos, onde é belígero. Outro era o caráter dos germanos e gauleses, entre os quais não tinham acolhida os mercadores. Entre nós, o comerciante não só mantém o Estado, mas ainda participa do governo. Temiam aqueles dois povos que as superfluidades quebrantassem os ânimos e afrouxassem as virtudes. Nós, talvez por sermos mais firmes contra os vícios, pela nossa doutrina e hábitos de inteireza, não detestamos esses sustentáculos do Estado, mas, ao contrário, julgamo-los capazes de praticar notáveis atos de virtude. Os romanos consideravam indecoroso para os senadores qualquer negócio. Mas aos senadores neerlandeses se permite, pois neles a ambição é condenada pela liberalidade, e a sovinice pela magnificência, e a vulgaridade da mercancia é compensada pela aprovação dos governantes e pelo respeito do povo. Não vivemos em uma monarquia, mas numa república aristocrática, onde, por serem menos numerosos os nobres, assumem a governança os cidadãos mais honrados, muitos dos quais dados à vida comercial. Como os venezianos, florentinos, genoveses, crescemos também nós pelo comércio. A quem disso duvidasse, aí estão para o provar as imensas riquezas assim de particulares, como de cidades, sobretudo marítimas, cujos perímetros mais de uma vez já se alargaram. Portanto, não reputamos injusto obtermos o ouro mediante guerras legítimas, nem espantoso buscarmo-lo pelos mares em fora, nem vergonhoso ganharmo-lo comerciando, nem desagradável tomarmo-lo ao inimigo.

Importância da navegação da Índia.

O fato seguinte exprime bem a grande importância que o rei da Espanha dava às nossas expedições para a Índia. Discutindo-se o tratado das tréguas, nada reclamaram os embaixadores espanhóis com maior empenho que o abstermo-nos de relações comerciais com os indianos, para que, só com a esperança disto, se pudesse acreditar que ele renunciava seus direitos sobre os Países-Baixos, onde a realeza já era uma ficção, e nos tratava como províncias independentes. Já antes, Filipe II, encanecido no ofício de reinar, reservara para si, como um segredo de domínio, a navegação da Índia; porquanto, transferindo para sua filha, a infanta Clara Isabel, que ia casar com o arquiduque Alberto d'Áustria, as províncias