História dos feitos praticados no Brasil, durante oito anos sob o governo do ilustríssimo Conde João Maurício de Nassau.

Escrito por Barleus, Gaspar e publicado por Fundação de Cultura do Recife

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HISTÓRIADOSFEITOS PRATICADOSNOBRASIL,durante oito anos sob o governo do Ilustríssimo CondeJOÃO MAURÍCIODE NASSAU Etc,ex-governador e capitão general de terra e mar ali e oratenente-general de cavalaria das Províncias-Unidasda Holanda, sob o Príncipe de Orange, egovernador de Wesel,PORGASPAR BARLÉU

Guerra holandesa.

Desde que o espanhol se tornou inimigo nosso e os Estados Gerais das Províncias-Unidas se insurgiram contra os Felipes, com fortuna vária tem-se batalhado, animosa e diuturnamente, na terra e no mar, dentro da Pátria e fora dela, sob o comando de mais de um general, entre a esperança da liberdade e os riscos da servidão.

Causas.

As causas desta guerra, expostas por tantos autores [^nota-1], são assaz conhecidas, diferindo nuns e noutros, segundo as suas simpatias partidárias. O ânimo apaixonado dos homens leva-os a culpar das calamidades públicas aqueles a quem odeiam, julgando idênticos os princípios e as causas da guerra. Muitos, por ignorarem o poderio dos Países-Baixos, consolidado por privilégios reais [^nota-2], emitem juízos pouco justos. Ao rei não faltaram pretextos para atacar a mão armada a República, tomando à má parte, sob color de rebelião, os fatos ocorridos. Aos neerlandeses não faltaram razões e coragem para repelir as hostilidades, de ódio contra os dominadores e vingando a liberdade, pois, ofendida esta, se tornam agastadiços e valentes.

Extensão.

A extensão e violência da guerra envolveu não só os Países-Baixos, mas também a Alemanha, a França, a Inglaterra, a Espanha

e alguns lugares vizinhos, enfim a Europa quase toda, até que, aumentado o seu furor, desencadeou-se nos confins da Ásia, nas costas da África e no Novo Mundo. É mau costume dos príncipes o descurarem-se de atalhar os males nascentes, porque, medrados, mal o podem e, inveterados, desesperam de o conseguir.

Fama.

A fama desta guerra perdura em todas as partes por onde ela se estendeu.

Duração.

A sua diuturnidade resulta dos seus próprios motivos. Insistindo o rei em recuperar o que perdeu, nós nos defendemos; usou de violência, nós o repelimos. Desde os primeiros levantes, tem-se prolongado a luta até hoje, sem esperança de fé ou de concórdia, a não ser que as tréguas dos doze anos [^nota-3] tenham concedido descanso às armas e às animosidades. Duram, assim, ainda mesmo além no perigo, os ódios oriundos da liberdade oprimida e não cessam, nem depois de desaparecidos os primeiros opressores.

Direito.

O direito desta guerra baseia-se todo nas leis pátrias e nos forais régios. Violados eles, esta República de tantos séculos, a exemplo dos nossos maiores, que tomaram armas contra os romanos, depôs o rei e declarou-lhe guerra, tanto mais honrosamente quanto parecia não só legítimo e necessário, mas também glorioso defender a Pátria, a liberdade, a vida e a fazenda dos cidadãos, coisas que os homens julgam superiores a tudo.

Virtudes e vícios.

Durante esses tumultos dos Países-Baixos, andaram de mistura com grandes e assinaladas virtudes vícios iguais: os furores populares com o zelo da piedade e da religião, a soberba dos espanhóis com o amor ao seu rei, a licença com a liberdade, o desprezo das prerrogativas reais com o respeito da realeza, a impiedade e a beatice com a unção religiosa, a perfídia com a lealdade pública, a ferocidade infrene da soldadesca contra as coisas divinas e humanas com a bravura e a disciplina militar.

Generais.

Foi grande a influência dos generais: usando uns de alvitres astutos, outros de conselhos ferozes, estes de sugestões mais brandas, ou promoveram ou prejudicaram os interesses do seu rei. A principal força das Províncias-Unidas procedeu da ordem, da disciplina, do dinheiro, das alianças com os príncipes vizinhos e da fidelidade, prudência e galhardia dos capitães nassóvios. Com tais auxílios, mostraram-se os neerlandeses terríveis para os inimigos, e, entre os assombrosos infortúnios da nação em luta, deram a segurança e tranqüilidade aos seus compatriotas.

Períodos da guerra.

No primeiro período da contenda, a situação da República foi de abatimento e de opressão, sob o despotismo do Duque de Alba.

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