História das últimas lutas no Brasil entre holandeses e portugueses

Escrito por Moreau, Pierre; Baro, Rouloux e publicado por Ed. Itatiaia. Ed. da Universidade de São Paulo

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juventude, pela fraqueza de seus tenros anos, pela frágil compleição de sua natureza débil, criado como filho de família com toda a delicadeza, e que, vendo seu corpo perdido e extenuado por tantos trabalhos e fadigas, pela distância do caminho; pelo ar estranho e ví-veres extraordinariamente salgados que lhe eram dados como alimentação, magro e esquelético como estava, tinha-se aventurado, para obter alívio de seu estômago, que o queimava, e para remediar o langor que sentia, a ir buscar laranjas e limões que vira a um tiro de mosquete de onde estava, para se refrescar, e não com nenhum intuito de enfileirar-se no partido contrário. Suplicou-lhes que lhe conservassem a vida, que seu pai não hesitaria em dar dez mil escudos para resgatá-lo, e que, entrementes, o mantivessem prisioneiro: apesar de tudo, morreu ignominiosamente.Se esta execução causou piedade aos assistentes, o mesmo não ocorreu com o que se seguiu algumas semanas mais tarde, de dois traidores: jamais se vira tal concorrência popular para um espetáculo dessa espécie. Um era um mulato que morava no Recife e que, conquistado pelos portugueses, foi surpreendido ao querer incendiar dois belos navios ancorados no porto; o outro era um português que se tinha retirado para o Recife quando fora publicada a anistia e que vivia sob sua proteção. Foi condenado por ter querido subornar um marinheiro, ao qual já havia dado dinheiro e prometido cem escudos, a fim de levar a nado uma carta ao Cabo Santo Agostinho, fechada numa pequena caixa de chumbo, de modo que melhor pudesse fazê-la afundar, na hipótese de ser surpreendido pelos holandeses; tal carta fora escrita com letra disfarçada e nela se avisava que só um pequeno número de soldados guarneciam os fortes do Recife, estando todos os outros em Itapari-ca; que eles já perdiam a esperança e era necessário vir assaltá-los tanto do lado do dique como da Cidade Maurícia e que certamente os venceriam. Enquanto o levavam ao suplício, o português disse bem alto que aqueles que vinham divertir-se, vendo-o morrer, brevemente experimentariam grande surpresa. De fato, enquanto o carrasco o estava enforcando num mourão sobre um cadafalso, queimando-lhe a barba e os cabelos com um punhado de palha, começou a levantar-se um rumor do meio dos espectadores que querelavam entre si e se empurravam com cotoveladas, com os punhos e as costas, e, pouco a pouco, formou-se um grande torvelinho no centro da praça, que os fez cambalear por alguns momentos como bêbados e, finalmente, deitou-os a todos por terra, misturados uns sobre os outros. Tal foi o pavor, que os soldados armados abandonaram seus postos e correram a esconder-se nas casas; muitos chapéus e barretes perderam-se ou mudaram de dono. O carrasco participou do medo geral e, vendo-se sozinho, saltou de onde estava e, por pouco não quebrou o pescoço. Durante esta desordem que durou mais de um quarto de hora, antes que cada um se sentisse novamente seguro, e sem que jamais se soubesse qual fora a causa de tudo isso, como e porque acontecera, acreditando-se que fora obra de alguns demônios que tinham prestado este serviço àquele português, o carrasco, que logo tinha subido de novo ao cadafalso, cortou-lhe o nariz, as orelhas, os testículos, o membro viril, abriu-lhe o estômago e lhe arrancou o coração, com o qual lhe bateu nas faces, ensanguentando-as, e deu tudo de comer a dois grandes cães. Os dois corpos, divididos em quatro partes, ficaram expostos nas forcas patibulares.Embora todos estes tremendos castigos devessem inspirar terror ainda aos mais mal intencionados, no entanto não retinham nem impediam os soldados do Recife de evadir-se freqüentemente, visto que os magistrados não levavam em conta as queixas e reclamações que faziam contra seus oficiais; estes os privavam da terça parte dos viveres recebidos no armazém, ordenavam que os transportassem para suas casas e os dividiam à sua vontade; quando queriam cumprir o seu dever ao sair do armazém e dividir os víveres em lugar público e não suspeito, na presença de todos, eram aprisionados, acusados de sedição e motim e pelas menores faltas condenados à morte e à tortura.