História das últimas lutas no Brasil entre holandeses e portugueses

Escrito por Moreau, Pierre; Baro, Rouloux e publicado por Ed. Itatiaia. Ed. da Universidade de São Paulo

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PREFÁCIOSe é verdade não ser o mundo senão uma cidade, de que todos os homens são habi-tantes, é vergonhoso, no dizer de Sêneca, nada saber senão e somente com a ajuda dos li-vros, não há curiosidade mais justa e gloriosa do que a que conduz alguém, levado pelo co-nhecimento de sua pátria, a ir verificar pessoalmente o que existe de louvável ou censurá-vel nas outras nações. Visto não ser isso possível, exceto através das viagens, seria preciso odiar as belas coisas para não amá-las, pois elas nos ensinam, pela experiência, os costumes dos povos, fornecem-nos mil exemplos e diversas aventuras em que aparecem estados in-teiros, famílias e indivíduos e nos possibilitam o julgamento das ações alheias. Assim, só dependerá de nós próprios tornarmos-nos mais sábios e mais bem avisados à sua custa.Esta doce paixão de ver de tal modo deleitou o meu espírito, que rompeu as cadeias que atam os outros ao seu país e obrigou-me a segui-la. A Holanda, verdadeiro ponto de encontro dos que tencionam dirigir-se às regiões distantes, pelas suas navegações comuns em todos os cantos da terra, foi o lugar escolhido para satisfazer meu desejo. Aí, depois de haver-me assenhoreado um pouco de sua língua, freqüentando as armas durante três anos, vieram ter notícias do Brasil: os portugueses haviam cometido uma covarde traição contra a Colônia dos Estados Gerais das Províncias Unidas dos Países Baixos, e degolado os holandeses, contra o tratado de paz convencionado entre eles, e tomado de surpresa as praças e fortalezas por estes antes conquistadas.O povo, ruidosamente, só falava em vingar tão insigne perfídia e a tal propósito realizavam-se em todas as cidades reuniões de guerreiros com todos os instrumentos ne-cessários para lançar ao mar uma poderosa frota e enviá-la ao Brasil. Testemunhei tão gran-de vontade de participar dessa expedição que, por intermédio de algumas pessoas de alto mérito, que me honravam com a sua benevolência, fui apresentado aos Senhores do Con-selho de Estado escolhidos para ir governar aquele país, acontecendo aceitar-me um deles como seu secretário. Embarquei com ele, sob a condição, entretanto, de ser-me permitido voltar quando quisesse; isso foi fielmente cumprido.Ali estive por dois anos, além de seis meses para ir e três meses de volta, durante os quais, à vista de tantas desordens, ruínas, calamidades, homicídios e pilhagens praticadas pelos portugueses e holandeses, uns contra os outros, tanto no mar quanto em terra, apli-quei todos os meus cuidados em instruir-me sobre a origem e o começo de tantas desgra-ças e em anotar tudo aquilo que acreditei conveniente para auxiliar a compreensão dos lei-tores do presente discurso, que eu me propunha oferecer-lhes relativo às lutas ocorridas no Brasil. A verdade é que jamais se conseguiu ali estabelecer paz e pode-se dizer do Brasil que é como certos lugares da terra: impossíveis de serem satisfatoriamente fortificados, não pelo defeito da arte, dizem os arquitetos, mas pela má situação em que se encontram.Se esta adorável filha do céu e fiel tutora da felicidade dos homens não pode encon-trar residência firme nesta bela e fértil região, isso não decorreu da falta de conhecimento de seu valor e importância capaz de proporcionar uma vida de perpétua felicidade; foi, talvez, conseqüência de alguma secreta e maligna disposição do ar que aí se respira, infec-tado pelos demônios que corrompem o natural de seus habitantes. Esta rica parte da