Escorço biográfico por Affonso de E. Taunay

Escrito por Taunay, Alfonso e publicado por Museu Paulista. Imprensa Oficial do Estado

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Comentários - Botânica

BOTÂNICA-COMENTÁRIOSPELO PROF. ALBERTO J. DE SAMPAIO (DO MUSEU NACIONAL)

A obra de MARCGRAVE, consta de duas partes: o texto original de MARCGRAVE (1637-1644), publicado por JOÃO DE LAET (1648); anotações de JOÃO DE LAET, citando FR. XIMENES (1615), MONARDES (1565) e outros.As anotações de LAET são feitas em seguida a cada planta citada por MARCGRAVE, citação que este faz pelo nome comum, seguido de descrição, não raro ilustrada por estampa, de MARCGRAVE OU posteriormente mandada fazer por LAET, à vista de material do herbário feito por MARCGRAVE.O original da tradução que me foi entregue a anotar, tradução muito bem feita, do latim para o vernáculo, foi ligeiramente modificado por mim, somente quanto à terminologia organográfica que procurei aproximar o mais possível da que usou MARCGRAVE, pois assim a tradução espelha o estado, ainda pouco evoluído dessa terminologia, ao tempo de MARCGRAVE, época em que os órgãos florais e em geral os elementos reprodutores das plantas de ar livre, únicas estudadas por MARCGRAVE, eram mal conhecidos.Nem sequer se tinha começado a usar o termo "pé talo", para designar as folhas diferenciadas que constituem a corola; por isso, MARCGRAVE usava a terminologia de CESALPINO (1583) e CARLOS CLUSIUS (1576 à 1611) para o caso, e umas vezes dizia folhas da flor, outras folíolos da flor.Muito freqüentemente adota o termo flósculo, para designar flores pequenas, termo que hoje é restrito quasi às flores dos capítulos de compostas, e segundo NECKER, para designar as de umbelas.O termo pedúnculo é usado a cada passo, para designar ora o pecíolo (da folha), ora o pedúnculo da flor ou da inflorescência.O termo pecíolo que hoje se usa para designar o pe dículo da folha pecíolada, foi raramente usado por MARCGRAVE; e com várias acepções, assim, a propósito de "Quingombô" para designar o funícolo da semente, à págs. 31 da sua Hist. Rer. Plant; à págs. 38, usa-o no sentido de pedúnculo floral, e bem assim, à págs. 51, quando trata de Convolvulus marinus; usa o termo pecíolo para designar o pedículo da folha, a propósito de um dos maracujás, a págs. 73; para designar o pedúnculo floral, a propósito de Nhambu guaçú, a págs. 77; a propósito de folha de um arbusto inominado, a págs. 79; de tapiá (p. 98), mas então para designar a unha do pétalo, a que chama folha ou folíolo da flor, como o fazia CESALPINO. ,A propósito de Nhuá (p. 100), usa o termo pecíolo para designar o pedúnculo do fruto; mas a propósito de ibirapitanga (p. 102), diz (como se diz hoje): folíolo sem pecíolo.O termo pétalo (do gr. petalon), foi usado só mais tarde; pela primeira vez por FÁBIO COLONNA, (1649, seg. uns, 1651, segundo outros), em Anotações e Adições à obra de HERNANDEZ - Rerum Medicarum Novae Hispa niae Thesaurus, Roma 1651, seg. HOEFER.A terminologia organográfica de MARCGRAVE é principalmente a de CESALPINO (1583): folíolos da flor, cálice, estamina, etc.Não usou a terminologia proposta por J. JUNG (1624-1627): folhas simples e folhas compostas, pecíolo (raramente e sem exclusividade), folhas digitadas, penadas, paripinadas, imparipinadas, periântio, flor simples e flor composta; estilete (stylus); embrião; isso mostra bem como caminha devagar o aperfeiçoamento; o importante glossário de JUNG não foi logo adotado pelos botânicos.Também não uso o termo legume (legumina) que tinha sido proposto antes por SPIEGEL (Isagoges in Rem Herbarium Libri II, Padua 1606); quando trata de fruto de leguminosas, bignoniáceas e outras, diz siliqua, o que mostra ser este termo muito mais antigo que o termo legume.A propósito do fruto de sapucaias, não usa o termo pixídio, mas o termo opérculo para a tampa; na descrição de curubá, designa as gavinhas pelo termo capréolo; a propósito de japecanga, diz clavícula.Quando se refere a ovário, fala em umbigo, () e, quanto a estilete e estigma, diz no centro dos estames um estame maior, terminado por um capítulo (pequena cabeça, hoje estigma); a propósito de estames, fala em ápice destes; no entanto, o termo antera (JEAN MANARDI, 1540) é muito anterior; quanto à expressão grão de pólen, só surgiu em Botânica em 1747 (NEEDHAM) . Aliás, cumpre informar ainda, que em seu tempo, MARCGRAVE SÓ dispunha de lupa a que chamava "megascópio" que cita a propósito de caapomonga, p. 28.O termo umbigo ê também usado para designar o cá lice persistente em frutos de mirtáceas, assim a propósito de araçá-iba, a págs. 104; hoje dizemos cálice persistente e, em linguagem corrente, coroa do araçá, da romã, etc.Quando define folhas de bordos dentados, diz âmbi to serrado.Não dá classificações científicas das plantas a que se refere, pela razão muito simples de ter falecido na África, logo depois de ter deixado o Brasil em 1644, não lhe tendo sido dado, por isso, estudar na Europa e classificar o herbário que coligiu e cuja existência é indicada pelo Prof. URBAN, no ultimo fascículo (Vol. I-1) da Flora Brasiliensis de MARTIUS.Cita no entanto binômios científicos de outras plantas, com que compara as do Brasil, e então a fonte é principalmente CARLOS CLUSIUS, muito anterior a LINNEU (1735) e que já usava de preferência a nomenclatura bi nária, que LINNEU depois uniformizou. Devo lembrar ter sido CLUSIUS quem traduziu para o latim e tornou conhecidos os trabalhos anteriores de GARCIA AB HORTO, MONAR DES, ACOSTA e BELON.Ao tempo de MARCGRAVE ainda não vigorava a noção de famílias de plantas, introduzida por MAGNOL, de 1688 a 1697.Feita a tradução, sob esse critério da fiel conservação da terminologia organográfica da época, focaliza uma etapa dessa terminologia e sugere estudos glossológicos muito interessantes, sob o ponto de vista histórico, e que no momento não posso desenvolver como merecem. * O herbário deixado por MARCGRAVE serviu a vários autores, monógrafos da Flora Brasiliensis de Martius para as identificações específicas das plantas que MARC GRAVE mencionou e descreveu, às vezes com ilustrações que ajudam as identificações, mas nem sempre bastam. (Vide por exemplo, SCHMIDT na manografia das labiadas, da Flora Brasiliensis, p. 225).Deve-se a JOÃO DE LAET e a MARTIUS a atual possibilidade de catalogação das plantas descritas por MARCGRAVE; p primeiro publicando os originais de MARCGRAVE e procurando esclarecê-los como possível; o segundo, providenciando para as classificações cientificas que MARCGRAVE não pôde, fazer, por motivo de falecimento.() CARLOS CLUSIUS, autor de várias versões para o latim, de obras botânicas espanholas.(*) Tratando de "camará vubá", a pág. 6, de seu livro, MARCGRAVE diz, a propósito da flor: in medio umbilico magno, luteo, cui admixta staminula nigra.