História natural do Brasil.

Escrito por Marcgrave, Jorge e publicado por Museu paulista. Imprensa Oficial do Estado

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guarnecidos de unhas um pouco mais grossas. A cauda mede nove dedos de comprimento e é ponteaguda, na extremidade. Da cerviz ao início da cauda, mede o corpo sete dedos de comprimento. A frente da cabeça, bem assim o tronco, é coberta de uma couraça, que sobressai dos lados, de sorte que o animal, quando deita, pode ocultar debaixo dela os pés e a cabeça. A couraça, no dorso, consta de nove peças, e é formada de escamas, dispostas em ordem conveniente; também a cauda é coberta de uma couraça de nove peças. No dorso a couraça é da cor de ferro e dos lados é um tanto branca com umas manchas cor de ferro. O ventre é coberto de uma pele um tanto clara, com poros visíveis e um tanto cabeluda. A cauda é um tanto branca e com mescla de cor de ferro; a carne desta espécie é a mais apreciada de todas pelo seu sabor.TATU APARA (termo indígena). Outra espécie de tatu, igual ao precedente em tamanho. A cabeça é oblonga, quase piramidal; a boca, aguda; a cabeça é protegida na frente por uma couraça; os olhos são porcinos, as . orelhas curtas e arredondadas, como a primeira espécie. O ventre é vestido de uma pele porosa com cabelos esbranquiçados, porcinos; as duas pernas anteriores medem três dedos de comprimento; as posteriores, quase cinco. Nos pés anteriores, encontram-se cinco unhas; destas, as duas médias, desiguais, são mais longas, isto é, uma tem um dedo de comprimento; a outra, um pouco menos. Menores do que estas são as laterais; na parte exterior, acha-se uma bem pequena. Nos pés posteriores, acham-se também cinco unhas; as três médias iguais, porém curtas e duas laterais. A cauda é piramidal do comprimento de um pouco mais de dois dedos, coberta de uma couraça. Tem o membro genital do comprimento de mais de cinco dedos e da grossura de meio dedo. O animal é coberto na sua totalidade, por uma couraça, de um pé de comprimento e de oito dedos de largura, mas na parte da frente e atrás, na extremidade, é um pouco mais estreita, da largura somente de dedo e meio. Esta couraça é côncava por dentro e convexa por fora em forma de um passeio arcado; no meio (um pouco para a parte anterior) acham-se quatro juntas transversais com as quais pode estender e curvar ou contrair a couraça. Esta consta de figuras quinqueangulares, dispostas em elegante ordem, mas entre as juntas estas figuras são paralelogrâmicas; cada uma delas é coberta de escamas lenticulares de cor amarela clara; as juntas são formadas de uma pele muito flexível. Esta espécie tem a seguinte particularidade: quando este animal quer dormir ou alguém o quer agarrar com a mão, reúne os pés anteriores e posteriores num só ponto, como as crianças no útero, e oculta os ouvidos e a cabeça, voltando para esta a sua cauda, de sorte que o olho esquerdo fica aberto. Tem curvado o dorso e o escudo, por meio das juntas, de modo que a boca toca o ânus, forma uma bola inteiramente redonda, ficando cobertas as extremidades laterais e a parte anterior e posterior. Deste modo, só aparece a couraça da cabeça e a da cauda, que à semelhança de uma porta fecha o orifício da couraça corpórea, que permanece oval, estando o corpo curvado e preparado para o descanço. Desta maneira este animal pode dispor-se em forma de bola, de sorte que parece antes uma concha marítima do que um animal terrestre. De noite freqüentemente sai à procura de alimento; às vezes, porém, dorme. O alimento deste é como o das outras espécies.Uma vez fiz a disseção de um destes animais. Tinham membros genitais insignes, pelo que julgo ser um animal perigoso. De cada lado tinha um músculo notável, longo, com a configuração de um X, com várias fibras, que corriam, no sentido longitudinal, com as quais ele pode fortemente contrair-se e conter-se; chamo-lhes músculos cruciformes. Quando este animal se encolhe, em forma de bola, dificilmente pode ser desenrolado, embora por um homem fortíssimo. A carne deste animal cozida e frita com manteiga é de bom sabor e preferível à carne dos coelhos; sempre, porém, é preferível a carne da segunda espécie. Nota. Fizemos menção deste animal na descrição da América, lib. XV, cap. V, onde, conforme o ensino de Monarde e Fr. Ximenes, notámos que o pó da cartilagem, que é de natureza óssea e dura, é muito útil, em medicina, quer contra a doença venérea, quer contra zunido dos ouvidos ou surdez; de um modo particular têm esta utilidade os ossinhos da cauda, que se acham perto da sua origem. O pó da cauda é também diurético; o pó da cartilagem cozido, preparado em forma de massa, serve para extrair espinhos de qualquer parte do corpo. É fácil fazer experiência, porque freqüentemente nos vêm da América peles deste animal.