História ou Annaes dos feitos da Companhia Privilegiada das Indias Occidentaes desde o seu começo até o fim do anno de 1636.Vol. 30

Escrito por de Laet, Joannes e publicado por Officinas Graphicas da Bibliotheca Nacional

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LIVRO 1627O almirante Pieter Pietrsz. Heyn, que deixamos o ano passado em Serra Leoa, tendo a sua gente suficientemente refrescada, reparados os navios e abastecidos das necessárias provisões de água e lenha, partiu com sua frota aos 19 dias do mês de Janeiro deste ano, e trabalhou por atravessar a linha e ir ter A costa do Brasil. Na entrada do mês de Fevereiro foi em altura de 5° 24' A banda do norte; pela tarde viu adiante uma vela, que sobre a noite foi alcançada e tomada pelos iates: era um navio que da ilha da Madeira seguia viagem para a Bahia de Todos os Santos com carga de cento e cinqüenta pipas de vinho, algumas caixas com baetas, sarjas, telas e outras mercadorias. O vinho e fazendas foram distribuídos pelos navios, e esbulhada a presa quanto foi possível, puseram-lhe fogo, sendo a sua tripulação baldeada para a frota. Esta, retida pelas calmarias, só a 15 conseguiu atravessar a linha; depois porém levou melhor carreira, vindo a achar-se em altura de 13° 20' de lat. sul aos:5 dias do dito mês de Fevereiro. E porque era o desígnio do almirante seguir diretamente para a Bahia e nela entrar, determinou a ordem que levariam os navios ao entrarem, e mandou a cada um dos capitães suas instruções por escrito, pelas quais se haviam de governar. Ao outro dia a frota governou ao rumo de oeste com bom tempo e vento leste; era a altura 13° 6'. Na entrada do mês de Março caminhou ao oeste quarta, a noroeste. e não houve vista de terra, ainda que se notasse nos cálculos dos pilotos, baseados em seus pontos, uma diferença pelo menos de setenta léguas, e de bem cento e trinta, segundo o de alguns, o que ocasiona muitas vezes grandes desacertos na estimação das longitudes. Pela manhã avistou-se uma vela, que foi tomada depois do meio-dia; transportava trezentos e sessenta negros, e ia de Angola para a Bahia. Sobre a noite avistaram terras vizinhas à Bahia. O almirante fazia tenção de entrar nela ao seguinte dia e surpreender os navios[pagina146]inimigos, mas, por causa da bonança, teve de surgir esta noite diante da barra. Por volta do meio-dia de 3 a frota levou ancoras, e impelida de um vento fresco endireitou para a baía, e embocou por ela, sendo assim vista e descoberta pelo inimigo, que havia cosido seus navios (em numero de trinta pouco mais ou menos) o mais que pode com a bateria disposta na água e a cidade de S. Salvador.Velejava o almirante na frente, e sendo chegado acima dos navios contra-rios correu para o meio deles, e lançou ferro entre a almiranta e vice-almiranta portuguesas, contra as quais fez vivo fogo. Seguiram-no o Geldria e o Hollandia, que por igual deitaram ancoras ao mar; os mais navios grossos porém, que também haviam recebido ordem de avançar, ficaram um pouco atrás, e assim quase que somente aqueles três forçaram o inimigo a pedir quartel e render os seus navios. Como o pavoroso estrondo da artilharia não deixava bem ouvir, sucedeu que a vice-almiranta portuguesa, cuja gente havia muito estava a pedir quartel, foi tão varada de balas que se afundou. Debaixo dos tiros dos navios e baterias da cidade foram todos os nossos bateis guarnecidos de marinheiros e mosqueteiros: com admirável presteza abordam estes bateis os navios contrários, cuja tripulação é expelida, e levados os mesmos navios para longe da praia e das baterias. Os mais dos soldados inimigos lançam-se dos navios ao mar, e se salvam a nado. Apesar da fúria com que jogava a artilharia grossa de todos os fortes, e das balas de mosquete que saraivavam sobre os bateis, a nossa gente se houve em tudo com tanta diligencia e bravura, que em menos de três horas alcançamos completa vitória. Os vinte e dois navios, que os nossos foram buscar As barbas do inimigo, foram retirados com maior dano dele que nosso, conquanto fosse mui vantajosa a posição dos contrários, e não constasse a nossa frota de mais de oito navios grossos e quatro iates. Como tivessem assim retirado os navios portugueses, porfiaram os nossos por se alongar da costa e se por fora do alcance da artilharia inimiga, mas sucedeu encalharem em um banco a almiranta e o Geldria; este safou-se à noite, mas a almiranta ficou encalhada. Da cidade e todos os fortes fizeram vivo fogo contra a almiranta, e assim a varejaram as balas que já não parecia navio. Ao outro dia o almirante passou-se ao navio Geldria, e fez que este e os mais navios grossos se aproximassem outra vez, ordenando-lhes que atirassem sem cessar para o efeito de assim divertirem algum tanto as balas inimigas do seu navio, pois não havia ele perdido ainda a esperança de o salvar. Em se aproximando os nossos navios, começou uma furiosa canhonada, que não deixava ver nem ouvir, ofendendo-se bravamente os contendores de parte-a-parte; só o navio Geldria recebeu alguns sessenta tiros. Neste entretanto valoram-se os nossos de todos os meios para safar a nau almiranta, mas foram baldadas todas as diligencias, pois sobreveio a conjuntura da maré vazante. Durante aquele temeroso fogo, ou fosse por negligencia e falta de cautela, ou por outra causa, saltou aos ares o Oragnie-Boom de Enchuijsen com alguns sessenta e cinco homens, doze ou quatorze dos quais foram recolhidos, mas horrorosamente ofendidos das chamas. O almirante, havendo agora que era