cidade, guiavam a tropa por um estreito caminho. Nestes lugares bem podia o inimigo com pouca gente tolher-nos o passo, por-nos em grande embaraço, fazer-nos muito mal; mas tamanho era o desanimo dos portugueses, que não ousavam sequer de encarar com os nossos. Assim, como os nossos se embarcavam nas chalupas, viram um grupo de homens armados de mosquetes, arcos e azagaias, e um oficial a cavalo a divagarem à tôa pela praia, mas tanto que a nossa gente pôs pé em terra, aquele ajuntamento dispersou-se e desapareceu. Indo os nossos pelo caminho que dissemos, chegaram principalmente a um grande conto de guarda, abandonado elo inimigo, e em seguida dirigiram-se ao subúrbio, onde a principio encontraram alguma resistência, perdendo ali as vidas alguns dos nossos, e entre outros um tenente; facilmente se houvera desordenado a tropa, se a não contivera o major Schouten. No entretanto anoitecera, e forçoso foi pernoitarem aqui, e esperarem a seguinte manhã. Os da cidade, com verem a audácia dos nossos, assim no mar como em terra, estavam de todo em todo esmorecidos, e porque temiam que houvesse ainda maior poder de gente, que a que tinham visto não ousaram aguardar o dia seguinte, antes, aproveitando-se das sombras da noite, abandonaram tudo, e em grande confusão fugiram da cidade para acoutar-se nas matas e lugares vizinhos. O bispo D. Marco Teixeira, como ao depois se soube, foi o primeiro a dar as de Vila Diogo com alguns seiscentos homens; porém o governador D. Diego Mendoza de Furtado, "não querendo ser cúmplice, como dizia, em tão vergonhosa fugida, nem infiel ao seu rei," deixou-se ficar na cidade quase só com seu filho e alguns domésticos [^nota-13], como se com este mal-entendido orgulho fizera algum serviço ao seu rei. Ignorando os nossos estas ocorrências, em rompendo o dia, abalaram em direção a porta da cidade, com as duas pecas de campanha, dispostos a deita-la por terra: mas chegados a ela, souberam por um Português, que com bandeira de paz se apresentara na muralha, que a cidade fora abandonada dos habitantes, e que portanto podiam os nossos entra-la sem queimar cartucho. Não puderam os nossos crer, e por temerem que se lhes ordenava com isto alguma cilada, aberta a porta, foram entrando a cidade em ordem de batalha, e assim foram ter a praça do mercado; mas, pois não encontraram resistência em parte alguma, nem deram fé de gente inimiga, a não ser o governador, que puseram a bom recado, meteram a cidade a saco, e com infração da disciplina militar arrombaram todas as casas, escritórios e armazéns, e tirado o que lhes convinha, tudo o mais estragaram e destruíram miseravelmente.Desde manha mui cedo, saio da armada, o vice-almirante com os seus marinheiros para acometer a cidade pela banda do mar, mas, sendo em terra, não deparou inimigo algum, e subindo a colina em demanda da cidade, viu que os nossos eram ali chegados, pelo que deu-se pressa em ser com eles.
História ou Annaes dos feitos da Companhia Privilegiada das Indias Occidentaes desde o seu começo até o fim do anno de 1636.Vol. 30
Escrito por de Laet, Joannes e publicado por Officinas Graphicas da Bibliotheca Nacional