História ou Annaes dos feitos da Companhia Privilegiada das Indias Occidentaes desde o seu começo até o fim do anno de 1636.Vol. 30

Escrito por de Laet, Joannes e publicado por Officinas Graphicas da Bibliotheca Nacional

Página 36


Mas, pois havemos de ter ocasião de tratar deste assunto mais larga e oportunamente, se Deus conceder-nos tempo para levar ao cabo a presente obra, que fenece no ano de 1637 (não tencionamos por ora ir além), nada mais diremos a este respeito, e entramos em matéria, e neste livro faremos relação do que se empreendeu e fez nos anos de 1623 e l624.Tendo sido providenciado devidamente o comércio de Guiné, e outros lugares da África e América, os diretores, que então administravam a Companhia, entraram a deliberar a que empresa poriam mãos, por melhor debelar os inimigos do Estado; pois bem sabiam que não satisfaziam os votos dos leais habitantes das Províncias-Unidas, nem correspondiam a geral expectação de grandes coisas, com promover unicamente aquele tráfico, que anteriormente já era feito por outros. Além disto, não se devia esperar obter de pronto grandes lucros e proveitos do comércio com selvagens, ainda não reduzidos a obediência pelo rei de Espanha, (excetuando o comércio de Guiné, cujas vantagens eram de todos conhecidas): estas bárbaras gentes de pouco careciam, como machados, facas, corais e quejandas bagatelas; e por não estarem dispostas a andar vestidas, não se lhes podiam levar as mercadorias fabricadas no país ou para ele trazidas; e as que entre elas e delas se obtivessem em retorno, como madeiras, tintas e cousas semelhantes, eram tais que antes encheriam o mercado, que enriqueceriam o país. E posto pensassem que não só se não devia dar de mão aquele comércio, mas antes de algum modo aumentá-lo e engrossá-lo, todavia bem compreendiam que lhes cumpria meter ombros a alguma empresa, com que ou forçassem os Espanhóis e Portugueses a negociarem e assentarem pazes com os nossos, ou, se a isto se recusassem, os privassem dos seus lucros, e no lugar deles estabelecessem os nacionais, afim de que a nossa pátria lograsse por sua vez os proveitos, que os seus inimigos tinham tido por tantos anos nas regiões mencionadas e em outras partes. E a este efeito eram os diretores particularmente incitados pelo governo, com razão persuadido que todos os esforços empregados dentro do país, ainda quando bem sucedidos, não eram por sí só cabais a pôr o desejado termo à tão duradoura guerra, e que necessário se fazia cortar a Espanha o nervo, por assim dizer, ele suas rendas anuais, e com o tempo estancar as fontes, donde o sangue e a vida se derramam naquele grande corpo; e foi para conseguir isto mesmo que avisados governadores deste Estado desejaram e aconselharam por tanto tempo se levantasse a companhia, criada finalmente pelos atuais. E com quanto os diretores não se iludissem sobre a gravidade da empresa, e soubessem que conjurariam e desafiariam contra si as forças de um Príncipe poderosíssimo, todavia, considerando que de um ou de outro modo à luta se travaria, ainda quando eles cuidadosamente evitassem medir-se com o rei de Espanha, não se deixaram amedrontar; mas antes, com verem que eram veleiros os navios neerlandeses, númerosos, bravos e experimentados os nossos marinheiros, encheram-se da esperança de fazer cousas úteis e proveitosas, e quiçá grandiosas, tanto mais quanto estavam em parte bem informados, e de dia para dia mais se esclareciam, acerca das regiões da América onde o rei de Espanha