História dos feitos praticados no Brasil, durante oito anos sob o governo do ilustríssimo Conde João Maurício de Nassau.

Escrito por Barleus, Gaspar e publicado por Fundação de Cultura do Recife

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Traje.

Andam nus homens e mulheres, exceto os moradores da capitania de S. Vicente, que, mais civilizados, se cobrem com peles de animais. Pintam a cores o corpo assaz robusto ou o afeiam com o suco negro do jenipapo e o enfeitam com penas de aves variegadas. Do alto da cabeça deixam cair somente um negalho de cabelo, depilando as mais partes do corpo. O nariz é chato como o dos chins. O modo de cortar o cabelo é diferente para os homens, para com ele se distinguirem as tribos. As mulheres trazem cabeleira comprida, menos durante o luto ou na ausência do marido.

Religião.

Não honram nenhumas potências sobrenaturais, nenhuns deuses, a não serem os trovões e os raios, aos quais votam grande veneração. Têm horror dos espíritos malignos. Dados aos presságios, agouros, sortilégios até à loucura, envolvem numa treva lucrativa o espírito leviano e ignorante dos seus com a mentirosa interpretação dos prognósticos. Prezam os feiticeiros. Gostam da poligamia e do divórcio. Não tratam mal as esposas, antes as cortejam, menos quando embriagados, o que também é freqüente com os holandeses. Em público, comprazem-se em tê-las por companheiras, usando esta ordem: se vão para o campo, precede o homem, pronto para investir uma fera ou enfrentar o inimigo; se estão de volta, caminha à frente a mulher, seguindo-a o homem, para ela escapar mais depressa de um perigo que sobrevenha. Em casa, têm-nas sob os olhos, receosos dos amores dos outros.

Alimentação - Os Brasileiros são nadadores, pescadores, atiradores de flechas.

Não conhecem hora certa de se alimentarem. Na mesma casa, muito comprida, em forma de uma querena virada e coberta de palma, vivem juntas muitas famílias. Dormem tranqüilos e descuidosos em redes suspensas bem acima do chão para evitarem de noite os animais daninhos, assim como os vapores maléficos que sobem da terra. Antes desconheciam o trigo e o vinho. Alimentam-se com uma raiz sativa à qual, reduzida a farinha, chamam MANDIOCA. Nadam admiravelmente, e às vezes, ficam horas inteiras a mergulhar na água com o olhos abertos. Atiram flechas com estupenda habilidade e são destros pescadores.

Bebedores.

Vivem dia por dia, bebendo valentemente e entregues a desordenada alegria, sendo depois muito tolerantes do trabalho e da falta de comer. Na caça atingem velocidade igual à dos próprios animais bravios.

Cruéis.

Com grande tripúdio matam os prisioneiros, tendo-os engordado cuidadosamente por alguns dias, e comem-nos assados em espetos. Marcham alegres para a morte aqueles a quem está reservado tal destino, e, publicando, como de uma resenha, as façanhas