História natural do Brasil.

Escrito por Marcgrave, Jorge e publicado por Museu paulista. Imprensa Oficial do Estado

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JOÃO DE LAETANTUERPIANO AOSBENÉVOLOS LEITORES.JORGE MARCGRAVE, Autor desta História, doutíssimo e diligentíssimo investigador das coisas naturais, eminente conhecedor das ciências matemáticas, ao fazer esta obra, afim de dar uma descrição acurada de todas as coisas naturais do Brasil, onde tinha vindo com esta intenção, (com as quais em grande parte concordam as outras Américas, embora aí, como nas outras partes da terra, se encontram algumas coisas particulares), não pela relação de outros, mas por investigação própria e diligentíssima, e por observação acurada, tendo feito com este fito muitas viagens, não sem perigo, primeiramente as descreveu e desenhou confusa-mente, conforme se lhe apresentavam nos vários lugares e tempos, ou lhe eram levadas pelos naturais: depois tinha começado a dispô-las segundo a sua ordem e a referi-las às suas classes: porém, porque, principalmente nas plantas, não se apresentam ao mesmo tempo todas as coisas que se requerem para uma descrição completa e perfeita, sucedeu que não pudesse com relação algumas plantas observar e descrever ou as flores, ou os frutos, ou as sementes, ou suprir ao depois o omitido. Visto ter-se transladado do Brasil à África, com particular interesse de merecer bem do público (o que em pouquíssimos encontrarás, posto que os mais cuidam antes de suas coisas que das públicas), para aí indagar e descrever as coisas naturais com igual diligência, foi colhido pela morte, não pode satisfazer ao seu desejo, nem ao dos outros. Tendo-me sido entregues assim imperfeitos e desordenados os seus comentários, pelo ilustre conde J O Ã O MAURÍCIO (com cujo auxílio, favor e gastos isto havia feito), de imediato surgiu não pequena dificuldade: pois o autor, temendo que alguém lhe vindicasse os trabalhos, se por acaso algo lhe sucedesse antes de poder dá-los à luz pública, escreveu grande parte dos mesmos, e o que era de mais importância, com certos sinais por ele inventados, que primeiramente deveriam ser interpretados e transcritos, conforme um alfabeto deixado em segredo, com maior moléstia por certo do que qualquer se quer impor em obra alheia. Contudo sobrelevei este incômodo e trabalho, ainda que por outra parte bastante ocupado, e, ao mesmo tempo, me dediquei a encaixar cada coisa em sua classe e a dispô-las com a ordem mais conveniente, pois o Autor, não guardando ordem alguma, misturava entre si as árvores, frútices e ervas, conforme lhe vinham às mãos: apesar disso, não me foi possível suprir tudo nas descrições das plantas, embora para isso muito me esforçasse, exceto algumas pouquíssimas coisas que estavam com caracteres diversos, e as figuras de algumas plantas que faltavam e que procurei fossem desenhadas conforme às ervas secas por ele conservadas. Compus o livro oitavo, que o Autor apenas tinha esboçado, dando-lhe apenas os títulos, com os vários meios por ele deixados e com outros que me subministrou benignamente o ilustríssimo conde mediante várias figuras; e pela semelhança de assunto ajuntei uma breve História das coisas do Chile, tal qual nos relataram os nossos, quando há pouco perlustraram aquela província e encontraram uma navegação para o mar Pacífico. Finalmente acrescentei muitíssimas notas, principalmente sobre aquelas plantas, que soube certamente nascerem na Nova Espanha, e cuja descrição tomei de Fr. Ximenes, cuja História (editada em idioma castelhano no México no ano clclocxv, e intitulada: Quatro libros DE LA NATURALEZA, Y VIRTUDES DE LAS PLANTAS, Y animales que estam recevidos en el uso de Medicina en la Nueva Espanna, y la Methodo, y correccion, y preparacion, que para administrallas se requiere, con Io que el Doctor Francisco Hernandez escreves em lengua

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HISTÓRIA DAS PLANTAS: LIVRO I Das ErvasCAPÍTULO I Das várias espécies de grama COMO, em outras partes, também no Brasil se encontram várias espécies de grama, das quais encontrei as seguintes que foram observadas e descritas pelo autor. Primeira espécie. Caule cilíndrico, tênue, oco, gramíneo; cresce até à altura de vinte dedos, tendo no meio um nó e em baixo três. Na parte superior, acima do nó, acha-se uma folha aguda, gramínea; no cimo do caule, cinco a seis espigas tênues, do comprimento de cerca de dois dedos, da grossura de um fio grosso, de cor argêntea, das quais ficam pendentes umas florzinhas de uma cor cinzenta, tirante a um azul cerúleo, trêmulas e que são levadas pelos ventos. Segunda espécie. Pode-se chamar grama triangular, porque tem o caule triangular, do comprimento de dezesseis ou vinte dedos; é dotada acima da terra, de urnas folhas gramíneas longas, estreitas, e cheias de veias. No cimo do caule, um capítulo quadrangular, composto de cinco glandes; tem o tamanho de um passo maior; aos lados se estendem quatro folhinhas gramíneas; o capítulo tem um odor como de camomila. Terceira espécie. Tem igualmente o caule triangular, do tamanho de um pé, coberto, perto do chão, de duas ou três folhas oblongas, gramíneas. Na sumidade, brotam de pequenas hastes seis, sete ou oito capítulos brancos, justapostos, sendo cada um rodeado de seis folhinhas, verdes, pontudas. Quarta espécie. De uma raizinha cabeluda procedem muitos caules, redondos, tênues de um palmo de altura, provido, junto da terra, de uma única folhazinha gramínea, aguda, donde procede, como de uma bainha, o caule. A sumidade do caule é rodeada circularmente de sete folhazinhas finas, agudas, de cerca de dois dedos de comprimento, verdes, mas muito brancas, na parte de dentro, perto da origem. No meio dessas folhazinhas, há alguns grânulos, justapostos, à semelhança de aveia; neles se ocultam as sementes. O caule e as folhas são cobertos de pêlos brancos e moles. Quinta espécie. Na parte inferior, acha-se um caule triangular, que cresce até uma altura de cerca de quatro pés; as folhas em número de quatro ou cinco, são do comprimento de dedo e meio, arundináceas; na parte superior são carregadas de umbelas de muitos grânulos agudos, como ouriço. Sexta espécie. Grama elegante, plicada, meliácea; cresce até à altura de cinco pés, procedendo de raízes filamentosas, à maneira de cana. As folhas, de cerca de um pé de comprimento, são elegantemente plicadas, verdes, como as da palmeira nucífera novas. O caule possui em cima uma espiga, de cerca de um pé e meio de comprimento, semelhante a uma espiga de milho. Sétima espécie. Grama florescente. De uma raiz pilosa, emanam caules numerosos, do comprimento de um pé ou pé e meio, cobertos de folhas gramíneas, na parte inferior. Cada caule tem em cima, um capítulo escamoso, lustroso, de uma cor pálida amarela, com um flósculo único, provido de três folíolos amarelos. Oitava espécie. Suas raízes tenras ou antes filamentos emitem quatro ou cinco caules gramíneos, finos, de cerca de três ou quatro pés de altura. Cada caule se divide em cima em umbela, tendo como planta ciperácea capítulos escamosos.

Nona espécie. Pode ser chamada grama estriada. De uma única raiz procedem quatro ou cinco folhas, que se elevam a uma altura de seis pés, semelhantes a grama espanhola estriada, com a diferença de que, no meio da folha somente, acha-se uma estria branca. Décima espécie. "Capupuba" (termo indígena) grama plumosa. Cresce até uma altura de dois ou três pés; tem o caule cilíndrico, geniculado, folhas de mais de pé e meio de comprimento, junto dos nós. Na parte superior, se divide em vinte, vinte e quatro ou por vezes trinta caules tênues, cada um dos quais tem no ápice uma fanícula argêntea, que contém no meio uma semente gramínea. Os caules são de um vermelho vivo. Undécima espécie. Eleva-se a uma altura de dois ou três côvados; tem o caule e as folhas gramíneas; em cima se encontra uma partícula dividida em doze, quinze ou mais partes. Cada uma delas tem oito ou nove dedos de comprimento, de cor vermelha escura. Duodécima espécie. Tem folhas e caule como a precedente, mas a panícula é um pouco mais longa e quase de um pé, delicadamente composta; é de cor verde. Décima terceira espécie. "Jacapé" (termo indígena). Sapé (em português). Grama da natureza do junco e tênue. Procede de uma raiz nodosa, da natureza do junco; branca, até à altura de três pés, com um caule a princípio simples, semelhante à haste de trigo caudeal, redondo, mas que se divide em várias folhas gramíneas, estreitas, possuindo no meio, em sentido longitudinal, um nervo branco. Não tem sabor pronunciado, nem flor, nem semente. Tem utilidade contra mordedura de serpente aplicada deste modo: se for mordida a mão, faça-se em cima uma ligadura com esta grama: deste modo o veneno não subirá mais.

CAPÍTULO II Espécie de feto, espécie de trifólio, Polipódio, OnonisFETO brasileiro. Cresce até uma altura de dois, três ou quatro pés; o caule é quadrado, de um vermelho escuro, lustroso, coberto de uma lanugem ruiva. As folhas aladas se dispõem alternadamente, tendo o comprimento de cinco ou seis dedos. Os folíolos e as asas são tenras, verdes, alternadamente dispostas, de bordo sutilmente serradas; num dos lados de cada folíolo, encontra-se um pó vermelho, que vai seguindo a orla do folíolo; nasce em todas as partes do interior encontra-se um pó vermelho, que vai seguindo a orla do folíolo; nasce em todas as partes do interior. Uma espécie de feto" Planta de caule flexível sarmentoso, avermelhado; rasteja e se enrola em torno de arbustos e outras plantas. As folhas, no caule são dispostas alternadamente, dissetas de um modo elegante, imitando os tecidos dentados que as mulheres costumam fazer. Não tem flor, nem semente; nasce abundantemente, junto do rio "Capibaribi"; um outro semelhante a este, mas d'outra espécie, nasce na ilha "Tamaraca". Feto ou Polipódio" Erva de um só caule, reto, que chega à altura de cerca de três pés, contendo folhas, indiretamente opostas ou melhor colocadas alternadamente; de cerca de quatro dedos de comprimento; finas, acuminadas, de bordo sutilmente serrado; na parte posterior, é sarapintada (variegata) de umas manchas escuras, dispostas segundo a nervura longitudinal.ESPÉCIE DE TRIFÓLIO. Erva que nasce copiosamente na Baía de Todos os Santos. Procede de uma raiz reta, dotada de uns poucos filamentos, tendo a figura de um arbusto e se eleva até uma altura de um ou dois pés, expandindo-se depois em muitos raminhos; o caule tem uns râmulos lenhosos, munidos aqui e ali de agudos espinhos. Em pedículos próprios, em cada râmulo, acham-se três folíolos mutuamente opostos, à maneira de trifólio. Daí brotam em pedículos de um dedo de comprimento florezinhas de cor verde clara, do tamanho das flores de "Anagallis", tendo no meio estames (staminula) delicados. Após as florezinhas vêm silículas roliças, de cerca de dois dedos de comprimento, nas quais se encontra uma semente redonda, semelhante à concha de um caracol, de cor hepática. Quando a semente está madura, as vagens se abrem e a difundem; esta erva tem o cheiro do feno grego.ERVA. Nasce aqui e ali no Brasil; poderia talvez chamar-se trifólio espigado americano. De uma raiz lenhosa, flexível, fina, procedem os caules de cerca de pé e meio de altura, que alcançam um ou outro raminho. O caule é redondo, piloso, quase nodoso; junto dos nós, numa pequena haste, brotam em breve pecíolo três folhas justapostas, verdes em cima; pilosas e canescentes na parte inferior. Produz umas florezinhas, fechadas em forma de espiga, de cor purpúrea; em seguida vêm umas vagens fechadas, espinhosas semilunares, como na erva chamada "Ferro cavallo", e quase desunidas, porquanto quando maduras se divide em tantas partes, quantos são os grãos de semente. A semente é do tamanho da mostarda, mas da figura do feijão de cor amarela clara com um pequeno ponto fusco, em lugar do hilo; tem sabor de ervilha. Quando se viaja, facilmente estas vagens se agarram às vestes; daí vem que os portugueses lhe dão o nome de erva dos Amores. POLIPÓDIO. (Brasileiro). De uma raiz de oito ou nove dedos de comprimento, nodosa,, da grossura de um dedo, coberta de um musgo avermelhado, internamente amarelo claro, de