A Igreja Cristã Reformada no Brasil Holandês

Escrito por Frans Leonard Schalkwijk e publicado por Instituto Arqueológico Histórico e Geográfico Pernambucano

Página 145


Introdução

Por volta de 1500, Portugal e Espanha estavam subindo como potências mundiais, basicamente devido às descobertas feitas nas viagens marítimas. Dividindo o globo entre si, consideraram todos os mares como águas ibéricas territoriais, e as riquezas trazidas no bojo dos seus navios garantiam o fortalecimento da sua economia e do seu poder militar no velho continente.Nesse tempo, na Europa, o renascimento era ainda um movimento cultural muito forte. No campo religioso, esta correnteza, com seu lema "às fontes", levou a um profundo desejo de reformar a igreja cristã, aproximando-a mais aos ensinos bíblicos. Assim eclodiu a reforma protestante. Porém, a inquisição espanhola, que movia a mão do poder secular, logo reagiu e os primeiros mártires desta reforma eram dois monges (da mesma ordem monástica agostiniana do Dr. Martinho Lutero), que foram queimados em Bruxelas, a velha capital das 17 províncias dos Países Baixos.No século XVI, esses "Países Baixos" abrangiam a atual Benelux, e era ainda propriedade particular da coroa hispânica que começou uma repressão geral nestas províncias inconformadas com esse domínio estrangeiro. Finalmente eclodiu uma guerra de libertação nacional e religiosa, conhecida como a Guerra dos Oitenta Anos (1568-1648), que terminaria com o reconhecimento da independência política do norte da região como "República dos Países Baixos Unidos", composta de sete províncias, das quais a Holanda e a Zelândia eram as mais fortes.Um ano decisivo nessa guerra foi 1588. O rei Filipe II da Espanha havia decidido esmagar de uma só vez a revolta holandesa e no mesmo tempo vingar a morte da sua parente Maria da Escócia, morta pela rainha Elizabete da Inglaterra. A "Armada", a maior frota vista até então, zarpou da península ibérica para o norte, parecendo invencível, entretanto, tempestades e a coragem dos ameaçados quebraram a nuca marítima do rei. Isto abriu os mares para uma maior navegação dos países nórdicos por volta de 1600, inclusive a fundação da primeira colônia holandesa (Nova Amsterdam, mais tarde Nova Iorque), e inglesa (Virgínia) no Novo Mundo. Também começou um período de maior liberdade para a novel pequena República, cuja economia se fortalecia muito, inclusive devido à imigração de inúmeros protestantes refugiados de terras sob domínio católico romano.Para evitar concorrência estranguladora e para poder "fechar as veias do rei da Espanha", organizou-se a Companhia das Índias Ocidentais (1621). Foi através desta companhia que os holandeses ocuparam o Nordeste brasileiro durante 24 anos (1630-1654), principalmente a faixa litorânea do Ceará até Alagoas.Nesta altura da história européia, ainda não havia separação entre igreja e estado, e cada país tinha sua igreja oficial. Nos Países Baixos, ela era a Igreja Cristã Reformada que foi implantada também no Brasil holandês. Ali havia umas 22 congregações locais, das quais Recife e Paraíba eram as de maior importância, sendo elas servidas nas várias capitanias por mais de 50 pastores evangélicos, e o dobro de evangelistas. A partir de 1636, representantes dessas igrejas se reuniram uma ou duas vezes por ano num presbitério, um conclave nacional, chamado a "Classe do Brasil". Durante alguns anos houveram até duas Classes, formando um único "Sínodo do Brasil". Conforme o costume holandês, anotações detalhadas foram feitas durante cada reunião, e treze destas atas eclesiásticas foram preservadas, cuja tradução para a língua portuguesa se apresenta a seguir.Essas "Atas da Classe do Brasil" formam um manancial de informações sobre a vida diária, social, política e sobretudo eclesiástica do "Tempo dos Flamengos" no Nordeste Brasileiro. A maior parte destes manuscritos, guardados em arquivos nos Países Baixos, foi publicada por J. A. Grothe na "Crônica" da Associação Histórica de Utrecht em 1873.1 Baseando-se nisto, Dr. Pedro Souto-Maior preparou a tradução destes documentos sob o título "A Religião Cristã Reformada no Brasil no Século XVII", em 1915.2 Desde então foram achados mais manuscritos referentes à igreja protestante no Brasil holandês, inclusive outras atas e cópias afora as que já haviam sido publicadas. Além disto, a importante tradução de Dr. Souto-Maior merecia alguns reparos. Existia, aliás, um exemplar desta tradução com correções valiosas feitas à mão pelo Prof. Dr. F. J. Moonen, a quem nos referimos aqui com admiração. Por sugestão do saudoso Presidente do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano, Dr. José Antônio Gonsalves de Mello, fizemos uma tradução dos novos achados e uma revisão dos já editados, publicada na Revista do renomado Instituto, do qual temos a honra de ser membro.3 Por ocasião da edição atual destas Atas presbiteriais foi realizado uma revisão geral, mormente das notas de rodapé.Há pequenas diferenças nos manuscritos existentes4, mas desde que o estudo publicado sobre a História da Igreja Cristã Reformada no Nordeste holandês5 baseia-se especialmente nessas atas e na numeração no texto de Grothe, mantivemos, em geral, como base, as transcrições no arquivo de Utrecht. Os documentos de Haia e Zelândia contêm informações valiosas, mormente sobre as atas preservadas em Utrecht, que apresentam lacunas devido a umidade.6 Variantes insignificantes não foram anotadas, mas nos outros casos, as notas de rodapé sempre contêm referências sobre o texto seguido.7 O nome oficial da Igreja que lavrou estas Atas era a "Igreja Cristã Reformada". Confessava ser "Igreja Cristã Católica Apostólica Reformada", nome usado inclusive pelo renomado pastor luso setecentista João Ferreira de Almeida, tradutor da Bíblia para o português. No Brasil esta Igreja poderia ser apelidada como "Igreja de Maurício de Nassau", por ser ele o membro mais ilustre daquela época.

Queremos, finalmente, lembrar da nossa gratidão ao Dr. José Antônio Gonsalves de Mello, pelo seu estímulo para que o presente trabalho fosse realizado, e ainda à nossa professora, Dra. Jacy de Oliveira Minssen, por ter se prontificado a "aportuguesar" este texto. E um "muito obrigado" especial ao Prof. Dr. Marcos Galindo pelo seu convite de rever o mesmo para uma nova publicação.

Frans Leonard SchalkwijkApeldoorn, Páscoa, 2005 A.D.


  1. Nota 1: tenras Igrejas de Jesus Cristo, nosso grande Senhor e Salvador.Art. 12. Desde que muitos escritos classicais estão faltando, a Classe considera necessário que, no futuro, todos os papéis classicais sejam guardados num armário destinado a isto. Destes papéis se fará um catálogo e os Deputados da Classe serão encarregados de prestar conta ao entregar seu cargo, de todos tais escritos que já foram achados e ainda pertencerão à Classe. Serão guardados especialmente cópias de cartas e escritos enviados em nome da Classe e os originais enviados à Classe de outros lugares.Art. 13. Agradecer-se-á as S. Exas., respeitosamente, em nome e por parte desta Assembléia Classical.Art. 14. Depois da "Censura Morum" realizada. em que não foi achado nada que merecesse pena, esta reunião foi encerrada com oração e todos os Irmãos partiram em boa harmonia e amor.Art. 15. Partiram no ano passado: D. Samuel Bachiler e D. Nicolaus Vogelius, predicantes; Jan Backer, Dirck Jansz Pool, Daniel Hesta apelidado Belhombre, Anthony Kien, Carel Carelsz, Abraham Duysentpont, Thomas Higby, consoladores de enfermos.Neste ano chegaram: D. Theodorus Brassicanus, D. Wilhelmus Cammius, predicantes; Martinus Fredericx e Daniel Winckelaer, consoladores de enfermos.Johannes Theodorus Polhemius, neste tempo secretário da Classe[nota 111].


    [nota 1] J. A. Grothe, "Classicale Acta van Brazilië", in: Kroniek van het Historisch Genootschap gevestigd te Utrecht, VI-4 (Utrecht, 1873). Reimpresso in: Archief voor de Geschiedenis der Oude Hollandse Zending, II (Utrecht, 1885).

  2. Nota 2: Pedro Souto-Maior, "A Religião Cristã Reformada no Brasil no Século XVII", in: Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, tomo I do 1o Congresso da História Nacional (Rio de Janeiro, 1915). Reimpresso in: Domingos Ribeiro, _Tragédia de Guanabara _ (Rio de Janeiro, 1917).

  3. Nota 3: Publicada na Revista do Instituto arqueológico, histórico e geográfico pernambucano (RIAP), vol. LVIII, pp. 145-284 (Recife 1993).

  4. Nota 4: A ortografia dos nomes próprios varia muito nos originais. Na revisão (cap. 1-8, e 10) seguimos as atas preservadas em Utrecht (RAU), na tradução (9 e 11-13) as de Haia (ARA; siglas veja nota 7).

  5. Nota 5: Frans Leonard Schalkwijk, Igreja e Estado no Brasil Holandês, 1630-1654 (São Paulo: Cultura Cristã, 2004, 3a ed. revista); nas notas destas atas citado como Idem. Tabela de reuniões eclesiásticas, Idem, p. 114.

  6. Nota 6: Como ACB 11/1640 s1 a1: lacuna em RAU, mas completada por ARA.

  7. Nota 7: No texto que segue:(")- indica palavras acrescentadas pelo tradutor.("14)- inclusões de outros manuscritos indicados na nota.ACB s1 a1- Atas da Classe do Brasil, sessão 1, artigo 1.ANHK- Archief Nederlands Hervormde Kerk (Arquivo da Igreja Reformada, Haia; em ARA).ARA- Algemeen Rijks-Archief, Haia (atualmente Nationaal Archief, arquivo nacional).RAU- Rijks-Archief Utrecht.RAZ- Rijks-Archief Zeeland.in - (Latim) em.

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